domingo, 29 de junho de 2008

ASSÉDIO JUDICIAL






Equipe da Universal orienta fiéis a processar imprensapor Priscyla Costa

A ofensiva da Igreja Universal do Reino de Deus contra a imprensa pode atingir proporções gigantescas. A igreja montou uma equipe para orientar seus fiéis a entrarem com pedidos de indenização por danos morais contra jornais e jornalistas que publicam notícias sobre os negócios da Universal.

Até agora, são 96 processos de fiéis em dezenas de cidades pelo interior do país. E o número vai crescer. Em reportagem exibida no último fim de semana pelo programa Domingo Espetacular, da TV Record — que pertence ao bispo da Universal Edir Macedo — é feita uma ameaça velada. Depois de dizer que há mais de 50 ações contra o jornal Folha de S.Paulo e a jornalista Elvira Lobato, lembra: “A Universal tem cinco mil templos”. A reportagem tem sido repetida com insistência pela emissora.

A série de ações de fiéis da Universal contra jornais começou depois que a Folha publicou a reportagem Universal chega aos 30 anos como império empresarial, em 15 de dezembro. No texto, a repórter Elvira Lobato relatou que a Universal construiu um conglomerado empresarial. A jornalista informou que uma das empresas da Igreja, a Unimetro, está ligada à Cableinvest, registrada no paraíso fiscal da ilha de Jersey, no canal da Mancha. “O elo aparece nos registros da empresa na Junta Comercial de São Paulo. Uma hipótese é que os dízimos dos fiéis sejam esquentados em paraísos fiscais”, informou.

Nas primeiras decisões sobre o caso, a manobra da igreja já foi classificada como “assédio judicial”, “aventura jurídica” e “abuso de direito” pelos juízes que apreciaram as causas.
Segundo o departamento jurídico do jornal, a Folha e a jornalista Elvira Lobato foram intimados em 50 ações. O jornal já ganhou cinco delas. O único pedido rejeitado foi a preliminar para reunir todas as ações em um só juízo, solicitação negada pelo Juizado de Jaguarão (RS). Para todas, cabem recurso. A Igreja Universal diz que são 56 ações.

A maioria dos processos está concentrada em Juizados Especiais. Eles tramitam em São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Piauí, Acre, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Amazonas, Espírito Santo, Bahia e Rio Grande do Norte, por enquanto. Todos foram protocolados em cidades do interior dos estados, para dificultar a defesa do jornal e jornalista. Uma audiência, por exemplo, aconteceu numa cidade do Amazonas que fica a 300 quilômetros de barco distante da capital, Manaus — neste caso, a viagem demora, pelo menos, 10 horas.

Apenas duas ações não entraram em Juizados Especiais. Uma é movida exclusivamente pela Universal. E existe uma queixa-crime contra a jornalista pelo crime de difamação.

Desde o mês de janeiro, o departamento jurídico da Folha tem se desdobrado para atender todas as intimações e comparecer as audiências. Tarefa impossível, claro. A advogada Taís Gasparian, responsável pela defesa do jornal e jornalista, disse para a Consultor Jurídico que na segunda-feira (18/2), por exemplo, seis audiências foram marcadas. Todas exigem a presença de advogado, preposto e parte. Gasta-se com passagem de avião, honorários e hora de trabalho. Nos lugares mais distantes, a Folha manda representantes.

O que espanta é que o Juizado Especial foi criado para possibilitar o acesso dos cidadãos ao Judiciário, mas não para ser usado para atolar e inibir a cobertura da imprensa”, afirma Taís.

Ataque generalizado:

Além da Folha, respondem ações de indenizações por danos morais o jornal Extra, e seu diretor de redação, Bruno Thys, do Rio de Janeiro; e A Tarde e o jornalista Valmar Hupsel Filho, de Salvador. O jornal Extra e Bruno Thys são réus em cinco ações movidas por pastores nas cidades de Barra Mansa, Campos, Miracema, Bom Jesus de Itabapoana e Santo Antônio de Pádua — todas do interior fluminense.

O jornal relatou o caso em que um fiel da igreja, Marcos Vinícius Catarino, danificou imagem de madeira de São Benedito em uma igreja de Salvador. Catarino foi detido pela polícia e liberado no mesmo dia. Os cinco pastores alegaram que se sentiram ofendidos com a divulgação da notícia. Afirmaram no pedido inicial estar “correndo o risco diário de sofrer agressões físicas e sofrendo discriminações até por parte de membros da Iurd, uma vez que eles também têm sido alvo de perseguição religiosa”.

O jornal A Tarde publicou reportagem sobre o mesmo episódio, assinada pelo repórter Valmar Hupsel Filho. Até o fim da semana passada, já haviam sido ajuizadas 35 ações contra a empresa e o jornalista em vários estados, nenhuma em Salvador, sede do jornal. Uma das ações foi extinta.
O próximo alvo é o jornal O Globo, também do Rio. Fiéis prometem processar o jornal por causa da reportagem Igreja Universal tenta intimidar jornalistas, em que a Universal é tratada como "seita". As ameaças de acionar a Justiça contra O Globo foram feitas em uma reportagem exibida no Domingo Espetacular, o programa dominical da Rede Record do bispo Macedo. Na reportagem, de longos 14 minutos, fiéis se dizem ofendidos e prometem recorrer à Justiça contra o jornal. Um dos fiéis ouvidos pela repotagem cotna que procurou o departamento jurídico da igreja, que o orientou a ingressar com a ação.

O Domingo Espetacular ainda destacou um texto do jornal Correio do Povo, pertencente à Rede Record, no Rio Grande do Sul, intitulado Justiça impõe derrota à Folha de S. Paulo em ações de fiéis da Igreja Universal, sobre o pedido rejeitado feito pela Folha para que todas as ações fossem concentradas em uma só cidade. A reportagem não faz nenhuma menção às decisões judiciais desfavoráveis a Igreja já proferidas.
A mesma dor:

Nos processos contra a Folha, os fiéis sustentam que a jornalista Elvira Lobato “insinuou” que os membros da Universal são inidôneos e que o dízimo pago por eles é produto de crime. Disseram ainda que ouviram gozações de conhecidos. As petições são iguais, com parágrafos e citações bíblicas idênticas.

O dano narrado pelas partes também é idêntico: “O autor [da ação] passou a ser apontado por seus semelhantes com adjetivos desqualificantes e de baixo calão, além de ser abordado com dizeres do tipo: 'Viu só! Você que é trouxa de dar dinheiro para essa igreja!' 'Esse é o povo da sua igreja! Tudo safado!' 'Como é que você continua nessa igreja? Você não lê jornal, não?' 'É. Crente é tudo tonto, mesmo'.”

Dois juízes condenaram fiéis autores de ações por litigância de má-fé. “O Judiciário não pode admitir que seja usado, por quem quer que seja, para atingir objetivo ilegal, devendo repelir com veemência tais práticas”, sentenciou a juíza Zenair Ferreira Bueno Vasques Arantes, titular da comarca de Xapuri (AC). O fiel Maurício Muxió dos Santos foi condenado a pagar custas processuais e honorários advocatícios no valor de R$ 1,2 mil, além de multa de 1% sobre o valor da causa por má-fé.

É evidente que a propositura das ações indenizatórias constituem retaliação orquestrada às matérias jornalísticas publicadas no jornal”, afirmou Zenair. Segundo ela, o fiel não foi mencionado no texto publicado pela Folha. Por isso não tem razão para pedir indenização. “Mesmo com muito esforço é impossível acreditar que fiéis, nos mais distantes rincões do país, tenham sido abordados como os mesmos dizeres”, afirmou.

O juiz Alessandro Leite Pereira, de Bataguaçu (MS), foi outro que condenou um fiel por má-fé. “O Poder Judiciário está sendo utilizado pelo autor para o fim espúrio de prejudicar os demandados, tendo em vista que diversas demandas, com a mesma causa de pedir e pedido, foram distribuídas pelos variados rincões do país, em localidades de difícil acesso, sendo nítida a intenção do autor, como também dos demais demandantes nas ações mencionadas, de dificultar a defesa dos réus”, escreveu Pereira na sentença. O juiz condenou Carlos Alberto Lima a pagar custas, despesas e honorários, que arbitrou em R$ 800 (1% do valor da causa).

O juiz Luís Henrique Lins Galvão de Lima, da comarca de Porangatu (GO), julgou improcedente a ação de indenização proposta por Aleksander Ferreira dos Santos. Em sua decisão, o juiz afirmou que sentenciava antes da audiência de conciliação “a fim de evitar que esta aventura jurídica vá avante e consuma o tempo e os recursos necessários aos processos de alta relevância para a sociedade”.

O juiz Edinaldo Muniz dos Santos, titular da comarca de Epitaciolândia (AC), extinguiu o processo em que Edson Duarte Silva pretendia obter indenização. O juiz entendeu que há um “assédio judicial”, ou seja, “uma atuação judicial massificada e difusa da Igreja Universal contra o jornal”. Outro pedido foi negado pelo juizado de Catolé do Rocha (PB).

Procurada pela reportagem, a Igreja Universal não se manifestou.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 19 de fevereiro de 2008

Um comentário:

Cristiano Silva disse...

Citação: "Crente é tudo tonto, mesmo"...

Infelizmente, sim, alguns são mais que outros.

Triste ver como Deus e Sua obra são profanados neste mundo. Volte logo, Herr Jesus!...