sábado, 1 de dezembro de 2012

ONU aprova Palestina como Estado observador

 
A Assembleia Geral da ONU aprovou a resolução para tornar a Palestina membro observador das Nações Unidas com 138 votos a favor (entre os quais o de Portugal), nove contra e 41 abstenções. A votação, que contou com uma abstenção histórica da Alemanha, é uma pesada derrota para Israel e os EUA.
 
O presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, foi o primeiro a discursar perante a Assembleia Geral em Nova Iorque (EUA). Disse que o que reuniu ali os países nesta noite foi "reconhecerem a realidade". "Não estamos aqui para retirar legitimidade a um Estado, Israel, estamos aqui para legitimar outro Estado, a Palestina", disse no seu discurso. Agradeceu e pediu a paz, antes de abandonar o palco debaixo de um prolongado aplauso. O representante de Israel foi o segundo a discursar: "Represento o único Estado judaico que existe."
 
Uma nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros português afirma que "esta votação expressiva traduz o reconhecimento da solução de dois Estados como a única via para a paz, segurança e prosperidade dos povos palestiniano e israelita, e para a estabilidade da região".
 
Horas antes da sessão ter início em Nova Iorque, já dezenas de milhares de palestinianos estavam nas ruas, celebrando por antecipação a votação da resolução que, ao aceitar a Palestina como membro observador, a reconhece como Estado com direito à autodeterminação.
 
Celebra-se em Gaza e na Cisjordânia, dizem os correspondentes das agências noticiosas e dos jornais, considerando que esta votação na ONU aproximou estes dois territórios palestinianos controlados por forças distintas, respectivamente o Hamas e a Fatah. Há mais de cinco anos que a rivalidade entre estas duas facções mantém as duas zonas "divorciadas".
 
Em Ramallah, testemunhou a enviada do El País, representantes do movimento islamista Hamas dividiam o palco montado para a festa com representantes da Fatah, da Jihad Islâmica e da Frente Popular para a Libertação da Palestina. "Na Praça Yasser Arafat não se viam bandeiras de partidos políticos, apenas a bandeira nacional – verde, branca, vermelha e negra".
 
"A resolução da ONU não vai mudar o que se passa no terreno", disse em Israel o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. “Não vai fazer nascer o Estado palestiniano ou fazer com que o seu nascimento esteja mais próximo; pelo contrário, está mais distante. Tenho uma mensagem simples para os que estão reunidos na Assembleia Geral [da ONU]. Não será uma decisão da ONU a quebrar quatro mil anos de vínculo entre o povo judeu e a terra de Israel".
 
Fonte: Publico (www.publico.pt)

Decisão provisória da Justiça mantém frase "Deus seja louvado" nas cédulas


A primeira decisão da Justiça rejeitou a retirada da frase “Deus seja louvado” das cédulas de real. O pedido foi feito neste mês pelo Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo, que alegou que o Estado brasileiro é laico e deve respeitar religiões minoritárias.
 
A decisão, da 7ª Vara Federal Cível de São Paulo, é provisória e pode ser revogada ou modificada. Nela, a juíza federal Diana Brunstein disse que não encontrou oposição à grafia da frase nas notas. “De fato, não foi consultada nenhuma instituição laica ou religiosa não cristã que manifestasse indignação perante as inscrições da cédula e não há notícia de nenhuma outra representação perante o Ministério Público neste sentido”, diz no texto.
Ela apontou falta de provas do desrespeito a minorias. “Entendo este fato relevante na medida em que a alegação de afronta à liberdade religiosa não veio acompanhada de dados concretos, colhidos junto à sociedade, que denotassem um incômodo com a expressão ‘Deus’ no papel-moeda”, afirma.
 
Para Diana Brunstein, a menção de Deus nas cédulas “não parece ser um direcionamento estatal na vida do indivíduo que o obrigue a adotar ou não determinada crença”. Na argumentação, ela cita ainda feriados religiosos e outras manifestações amplamente aceitas.
 
Ouvida na fase de inquérito, a União defendeu a legalidade da expressão. O Banco Central, responsável pelo desenho das notas, também afirmou que as características delas não violam princípios constituições do Estado laico e da liberdade religiosa.
 
Entenda o caso
A inclusão da frase “Deus seja louvado” foi feita em 1986, por determinação direta do então presidente da República, José Sarney. Em 1994, com o Plano Real, o texto foi mantido pelo ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso.
 
Neste mês, o procurador regional dos direitos do cidadão Jefferson Aparecido Dias, do MPF, entrou com ação pública pedindo que o Banco Central e União retirassem o texto das notas em um prazo de 120 dias. Ele defendeu a medida como forma de proteger a “liberdade religiosa de todos os cidadãos”, já que nenhuma lei permite a manifestação religiosa por parte do Estado. “Imaginemos a cédula de real com as seguintes expressões: ‘Alá seja louvado’, ‘Buda seja louvado’, ‘Salve Oxossi’, ‘Salve Lord Ganesha’, ‘Deus não existe’. Com certeza cristalina haveria agitação na sociedade brasileira em razão do constrangimento sofrido pelos cidadãos crentes em Deus”, afirma Dias na ação.
 
Logo após a divulgação da ação, Sarney (PMDB-AP), atual presidente do Senado, reagiu à proposta. "Eu tenho pena do homem que na face da Terra não acredita em Deus", disse o senador. Sarney defendeu ainda que, ao contrário do que querem os procuradores, é necessário ter consciência da gratidão a Deus. "Eu acho que é uma falta do que fazer porque, na realidade, precisamos cada vez mais ter a consciência da nossa gratidão a Deus por tudo o que ele fez por todos nós, humanos, e pela criação do universo. Nós não podemos jamais perder o dado espiritual", afirmou.
 

sábado, 24 de novembro de 2012

Como assim, a "inconstitucionalidade" de Deus?



O exagero do título, mas...Imagine o leitor a seguinte notícia: “Judiciário declara a inconstitucionalidade do feriado de Nossa Senhora da Aparecida.” Ou “Natal é declarado fora da lei pelo Poder Judiciário”. “O Estado do Espírito do Santo tem de mudar o nome por ordem judicial.” Ou, quiçá: “Páscoa passará em branco — a crucificação de Cristo foi considerada hedionda e, por chocar os não cristãos, declarada inconstitucional.” Um adendo na manchete: “Onde está escrito ‘passará em branco’, não há qualquer relação com o conceito antípoda da palavra”... (só para ser politicamente correto afinal, isso está no contexto, pois não?).
 
Acha bizarro? Pois ações judiciais nessa trilha não faltam, como a recentemente ACP intentada em São Paulo pelo Ministério Público Federal para a retirada do enunciado “Deus seja louvado” das cédulas da nossa moeda, o real. Qual seria o sentido disso?
 
Explico: Claro que há um exagero no título da Coluna de hoje. Mas todos já sabem do que quero falar. Particularmente, nunca havia me dado conta de que nas notas do real havia a frase “Deus seja louvado”. Aliás, nunca vi ou ouvi alguém falar sobre isso...
 
A ação judicialVejamos o que diz a petição do MPF: “A manutenção da expressão ‘Deus seja louvado’ na cédula monetária brasileira não se coaduna com mencionada condição de coexistência entre convicções religiosas, característica da laicidade estatal, uma vez que configura uma predileção pelas religiões adoradoras de Deus como divindade suprema, fato que, sem dúvida, impede a coexistência em condições igualitárias de todas as religiões cultuadas em solo brasileiro. A manutenção da situação em discussão constrange a liberdade de religião de todos os cidadãos que não cultuam Deus, tais quais os ateus e os que professam a religião budista, muçulmana, hindu e as diversas religiões de origem africana.
 
Justifica, ainda, o MPF que “Para se compreender fielmente o constrangimento e tratamento desigual dispendidos em face dos cidadãos não tementes a Deus, basta empreender um raciocínio de substituição. Imaginemos a cédula de Real com as seguintes expressões: ‘Alá seja louvado’, ‘Buda seja louvado’, ‘Salve Oxossi’, ‘Salve Lord Ganesha’, ‘Deus não existe’. Com certeza cristalina haveria agitação na sociedade brasileira em razão do constrangimento sofrido pelos cidadãos crentes em Deus”.
 
Interessante. Muito! Diria até engraçado. Gostei das comparações, mormente com a nota de real contendo a frase “Deus não existe”. Não havia tido essa epifania! Mas, sigamos. “Estado laico”. Claro. Sob o seu manto, vamos radicalizar. Será que Estado Laico quer dizer isso? Reescrever a história (institucional das relações humanas) faz parte do Estado Laico? Fico imaginando o Bundesverfassunsgericht (que é o Tribunal Constitucional Alemão) examinando a “laicidade” do “feriado natalino”...
 
Vamos aprofundar um pouco isso? Quais são os limites de uma decisão judicial? O que é direito? O que o Poder Judiciário pode fazer? O que o Ministério Público pode pleitear? A Defensoria Pública pode pleitear qualquer coisa (por exemplo, o direito de um cidadão se tornar “lagarto”?) No que se pode e no que se deve basear um pedido e uma decisão judicial? Vou trazer um exemplo, que trato no livro Hermenêutica, Garantismo e Neoconstitucionalismo, um debate com Luigi Ferrajoli (Livraria do Advogado) sobre o que é prognose e o que não é prognose, análise empírica e a falta de análise empírica.
 
Vamos lá. Na Espanha houve o “caso do touro Osborne”,[1] julgado pelo Tribunal Supremo (que não é o Tribunal Constitucional). Explico. Em 1988 foi aprovada na Espanha a Ley General de Carreteras, que, em um dos seus dispositivos (art. 24) proibiu a colocação de publicidade nas zonas vizinhas e visíveis da estrada. A pena era uma pesada multa. A empresa Osborne, antes da entrada em vigor da lei, retirou a palavra “veterano” dos imensos touros negros à beira da estrada (eram imensos outdoors, contendo ao centro a marca do conhaque “veterano”). Entrando em vigor a lei, a empresa fabricante do conhaque foi multada. A querela chegou ao TS. A discussão: o que é publicidade. O “imenso touro negro” é publicidade, mesmo sem a palavra “veterano”? O Tribunal deu ganho de causa ao fabricante do conhaque, utilizando argumentos como “o touro já não transmite qualquer mensagem aos espectadores, na medida em que a palavra ‘veterano’ fora apagada”; “para a generalidade dos cidadãos, o touro se transformou em algo decorativo, que já faz parte da paisagem”; “a presença da expressão ‘veterano’ não faz com que aumentassem o consumo do conhaque”; “o touro é esteticamente bonito”; “o touro é como uma escultura e não como um outdoor”.
 
Percebe-se, nitidamente, o modo com a decisão foi exarada, ou seja, sob o crivo da discricionariedade e do arbítrio. O Tribunal decidiu sem qualquer respeito à integridade e a coerência do Direito, além de não ser uma decisão de princípio. Por exemplo, como saber o modo como as pessoas veem os grandes touros negros à beira das autopistas? Está-se diante de um enunciado empírico, em que o “sim” e o “não” são absolutamente arbitrários. Do mesmo modo, o argumento acerca do (não) aumento do consumo é irrelevante. Mais ainda, qual é a importância de se afirmar que o touro é esteticamente belo? Como aferir o gosto? E qual a relevância jurídica desse argumento? Por fim, fosse relevante o argumento acerca da “finalidade decorativa” do touro, estar-se-ia liberando a colocação de qualquer escultura à beira das autopistas espanholas (p.ex, Gisele Bünchen expondo biquíni, apagando-se o letreiro da marca).
 
Observe-se: o único argumento plausível, mas não convincente, foi o da perquirição acerca da finalidade da regra. O fim seria duplo: a) evitar a distração dos motoristas; b) evitar a contaminação paisagística. Disse o Tribunal: a presença do touro não vai contra essas duas finalidades da lei. Logo, o touro pode ficar. Ora, mesmo que se aceite o argumentos de que o fim da lei é evitar a distração dos motoristas (o que é plausível), fica a pergunta que diz respeito às especificidades do caso concreto (à faticidade): como pode o Tribunal afirmar que o touro não atrapalha, se não havia qualquer pesquisa a respeito? Portanto, a afirmação do tribunal é fruto de uma indevida discricionariedade (arbitrariedade). O mesmo se aplica ao segundo argumento: o touro não contamina a paisagem. Sob qualquer argumento empírico (e estético) pode o Tribunal fazer tal afirmação? Veja-se, desse modo, os problemas que envolvem os limites do Poder Judiciário. Ele não pode fazer qualquer afirmação...
 
A falta total de prognoseOra, o Ministério Público também não pode fazer qualquer tipo de ação ou qualquer tipo de afirmação. Como no caso do Touro de Osborne, qual é a prognose? Quais os dados empíricos? Quantas pessoas estão infelizes (sic) com a frase “Deus seja Louvado” que consta nas notas de real? Qual é o dano que isso está causando nas pessoas “não cristãs” ou congêneres? O que quer dizer “as pessoas se sentem constrangidas”? E esse constrangimento ofenderia um direito fundamental? Heim?
Aliás, o que é um “não cristão”? É um ateu? Um agnóstico? Para trazer “felicidade” para esse conjunto indefinido de pessoas (insisto: não se tem qualquer dado empírico), quais as condições que a lei e a Constituição oferecem para que transfiramos recursos (simbólicos ou não reais) das outras pessoas para a felicidade daquelas? Entre a liberdade e a igualdade, devemos ficar com a liberdade? De quantos? Quer dizer que se um aluno de uma faculdade alegar objeção de consciência em não querer dissecar sapos (com o devido respeito aos meus amigos defensores dos direitos dos animais) na Faculdade de Medicina, a universidade terá que disponibilizar para ele uma disciplina sem a dissecação? Transferindo recursos da malta? Para a sua felicidade individual? Pergunto: há(veria) um direito fundamental a cursar medicina? Do mesmo modo, um aluno traumatizado com Direito Penal pode exigir da Faculdade de Direito um curso sem o Direito Penal? Há um direito fundamental a cursar direito? Como fica a igualdade diante desse “dar felicidade”?
 
Portanto, antes de fazer uma ação desse quilate buscar a retirada da expressão “Deus seja louvado” das cédulas do real o MPF deveria responder a uma série de perguntas. Uma delas é: há um direito fundamental a que se tenha uma moeda sem a expressão “Deus seja louvado”? Colocar expressões nas moedas não é atribuição do Poder Executivo, que é eleito por 50% mais um? Se o Executivo quiser, ele revoga (e terá os ônus e bônus de tal atitude em uma democracia). Mas não parece ser tarefa do Judiciário e nem atribuição do MPF entrar com ação desse quilate.
 
O que é que incomoda?Dizer que a expressão incomoda é o mesmo que dizer que “a expressão não incomoda”. Lembrando-me das aulas de neopositivismo lógico e de semiótica (que não é “meia ótica”, desculpem-me a ironia, mas a maior parte da malta nem imagina o que seja isso), há o famoso teste para saber se um enunciado é empiricamente verificável... Neste caso, coloca-se a palavra “não”. Pois é. Dizer que a expressão (não) incomoda é o mesmo que dizer “os duendes (não) se apaixonam” (exemplo que Warat gostava de usar). Semanticamente não verificável! Tanto faz colocar um “não”. Duendes são impossíveis de verificar empiricamente. Da mesma forma que se a expressão “Deus seja louvado” “incomoda” ou não as pessoas. Portanto, no plano do neopositivismo lógico, seria “não científico”. Não passaria no teste da semântica...!
 
Volto. A sério (não que a discussão do revival do neopositivismo não possa ser séria). Não há qualquer dado empírico. Não há prognose. E dizer que a Constituição institui o Estado Laico e que a expressão vai contra esse Estado laico não tem o menor sentido, na medida em que a própria Constituição estabelece no preâmbulo “sob a proteção de Deus”... Seria a Constituição inconstitucional?
 
O que quero dizer e bato nisso de há muito é que o ativismo judicial (ou ministerial) é uma vulgata da judicialização. Esta, a judicialização, é contingencial; ela acontece. Mas o ativismo é comportamental (behaviorístico). Há uma série de pesquisas importantes sobre isso, produzidas pelo grupo de Vanice do Valle e de José Ribas Viera, na Uerj e na Unesa. Os juristas deveriam ler os resultados dessas pesquisas dos professores do Rio de Janeiro.
 
A distinção entre ativismo e judicialização é fundamental, porquanto aquela figura é caudatária de uma excessiva intervenção judicial na vida da polis, em detrimento das expectativas dos cidadãos em torno da observância das regras e princípios da democracia substancial.
 
Não se sustenta a tese da ofensa ou do constrangimento à liberdade de crença, tal como afirma o MPF, porquanto os direitos fundamentais, na perspectiva traçada por Dworkin e Ferrajoli, sustentam-se reciprocamente. Dito de outro modo, não há conflito entre o princípio democrático e o princípio da liberdade religiosa, haja vista que a proteção dos direitos fundamentais, em todas as suas dimensões, é nota característica da adjetivação “democrático” do Estado de Direito brasileiro. Ou seja, a concepção de laicidade não pode ser vista como uma “contrarreligião”; antes disso, a laicidade é condição de possibilidade para o pluralismo!
 
Invoco, nesse contexto, Tocqueville, em seu A Democracia na América, para quem a ideia dos direitos outra coisa não é senão a ideia da virtude introduzida no mundo político. É com a ideia dos direitos que os homens definiram o que era a licença e a tirania. Esclarecido por ela, pode cada um mostrar-se independente sem arrogância e submisso sem servilismo. O homem que obedece à violência curva-se e se faz servil; quando, porém se submete ao direito de mandar que reconhece a seu semelhante, eleva-se, de certa forma, acima daquele mesmo que o comanda. Não existem grandes homens sem virtude; sem respeito aos direitos, não existem grandes povos; quase poderia dizer-se que não há sociedade; pois, que vem a ser uma reunião de seres racionais e inteligentes, cujo único laço é a força?
 
Não se pode compreender a laicidade do Estado em uma perspectiva isolada e (des)contextualizada do exercício dos direitos fundamentais, haja vista que a democracia parte do pressuposto de uma parceria dos cidadãos partnership conception of democracy, como menciona Dworkin, em Justice for Hedgehogs , isto é, em torno da convivência recíproca em um ambiente plural e fraterno. Mesmo sem prognose, pode-se dizer que a maioria da população não se importa com a expressão “Deus seja louvado”. Mas, por que, então, a minoria que pretensamente “se incomoda” ganharia a “felicidade” em detrimento da conspurcação da igualdade em relação aos demais?
 
Ainda, é relevante lembrar que, conforme Fernando Catroga, em seu Entre Deuses e Césares (Almedina, 2010), mesmo nas regiões mais secularizadas da Europa Ocidental, parece assistir-se ao “regresso” do sagrado, surto que invalidará as previsões acerca da “morte de Deus” às mãos da autossuficiente razão humana e dos irreversíveis imperativos da história (nesse sentido, deve-se ler Steve Bruce, em seu God is Dead. Secularization in the West; apostando no contrário, ver Sabino Samele Acquaviva, The Decline of the sacred in industrial socity eThomas Luckmann, The invisible religion — the problem of modern religion in modern society ). Veja-se: Não digo que isso seja bom ou ruim. Mas algumas apostas deram com os burros n’água.
 
O que quero dizer ainda amparado em Catroga é que devemos ter muito cuidado. Não podemos, sob pretextos comunitaristas, etnologicizar em excesso o coletivo, olvidando que este somente terá sentido se, em última análise, estiver a serviço da realização, em alteridade, da pessoa humana. Por conseguinte a verdade de uma parte da população não pode se impor a outras escalas mais extensas de pertença e nas quais a própria cidadania nacional, sempre em reconstrução, deve ser vivida como janela aberta para o universal. A laicidade e, sobretudo o laicismo instalou uma ruptura excessivamente “burguesa” entre o espaço público e o privado, esquecendo-se que, se o homem é logos, também é homo ludens, homo loquens, homo simbolicus e homo religiosus, dimensões que ficarão diminuídas se ao sagrado não for reconhecida expressão coletiva, pública e aberta. Caso contrário, a “fé laica” acaba por ser outra religião, uma contrarreligião, sucedânea do princípio une foi, une loi, un roi.
 
O custo de um argumentoQuando nos aventuramos em um argumento, temos que ir até o final. Isoladamente, até poderia ser possível dizer que a expressão “Deus seja louvado” não é compatível com o “Estado Laico”. Afinal, nem todo mundo acredita em Deus. Mas a questão da laicidade não é esta. Há que se ter cuidado com uma visão apressada, sem levar em conta os efeitos colaterais da afirmação.
 
Mas, uma vez admitido isso, temos que ir mais longe. Qual é a diferença entre a utilização dessa expressão e o feriado católico da padroeira do Brasil? Pergunto: O que “incomoda” (ou constrange, para usar a linguagem da ACP) mais os não católicos (ou não cristãos em geral)? É a expressão constante nas notas de real ou o feriado? Ou nenhum dos dois?
 
E o que dizer do Estado do Espírito Santo? Vamos mudar-lhe o nome? E assim por diante. O Cristo Redentor, construído por meio de contribuição pública e mantido com verba de todos, incomoda os que não têm nada a ver com a crença que representa o Cristo Redentor? Vamos continuar com os testes argumentativos ou paramos por aqui?
 
Claro que minha análise é hermenêutica. Não importa o que eu penso sobre o assunto. Tais escolhas são de índole da razão prática solipsista. E estas não importam. O que falo, aqui, é do âmbito do Direito. E Direito não é filosofia, não é politica, não é sociologia, não é religião, como venho deixando claro. E o que discuto são os espaços da judicialização. Ou o imperialismo da judicialização sobre esses espaços culturais que devem ser discutidos no plano de outra esfera, que não a do Judiciário! É assim que este texto deve ser lido!
 
Não podemos esquecer que os Tribunais estão em um espaço produzido por uma comunidade histórica. Deve haver uma reconstrução da história institucional, revolvendo o chão linguístico em se sustenta a tradição (para o bem e para o mal). E, daí, ver qual é o espaço para a judicialização dos espaços da laicidade.
 
Deus seja louvado” não é constitucional e nem inconstitucional. Se o Poder Executivo resolver retirar a expressão das notas do real, tal circunstância não acarretará o direito a que se recoloque a expressão judicialmente. Ou seja, se o Poder Executivo resolver retirar a expressão, não cabe ação dos descontentes...
 
Mas, atenção. Também é por isso que não cabe ação judicial para a retirada da frase. Já chega termos judicializado o amor no Brasil, a partir de uma bolha especulativa de princípios (que denuncio, de há muito, como pamprincipiologismo).
 
Ou seja, hermenêutica é, exatamente, uma antítese às posturas que pretendem transformar o direito a um conjunto de respostas antes das perguntas. Com isso, tais posturas sequestram o tempo e a facticidade. A dogmática jurídica tradicional se enquadra nisso. É cronofóbica e factumfóbica. Quando confrontada com o tempo e os fatos, vira um queijo suíço. Como a ação do MPF.
 
Numa palavra: Mesmo que o Judiciário decida pela retirada da frase “Deus seja louvado”, isso não a transforma em uma decisão jurídica, no sentido da democracia (apenas no sentido kelseniano é que seria “jurídica”). Portanto, juízes e tribunais decidem por princípios. E não por políticas. Ou por argumentos (não) religiosos. Direito é algo bem mais completo que isso que a tal ação pretende. Mas, o que é direito? Bem, sobre isso já escrevi muito. Basta ver as colunas anteriores.
 
Um toque finalPelo andar da carruagem, depois de censurar Monteiro Lobato (o próximo será Aristóteles), vamos instituir multas para quem usar frases que possam “incomodar” (ou constranger) os outros. A cidade de (Santa) Maria (e congêneres) deve mudar de nome e todas as cidades que tenham nome de santos. Eventualmente um cidadão que tenha Santo ou São no nome, deverá imediatamente alterá-lo. Sim, porque pode “incomodar” o próximo. Jogadores de futebol não deverão fazer o sinal da cruz, porque a televisão, concessão pública, estará transmitindo e isso poderá “incomodar” parte da malta.
 
Ora, ora e ora (não de orar, é claro, porque isso já dária multa!). A cidade de (São) Paulo (ups!) está em face de uma espécie de “neoterrorismo”, o ministro da Justiça diz que, se fosse preso, matar-se-ia (não com essa mesóclise, é claro) e o MPF quer judicializar a “deidade” da choldra pátria (na verdade, faz isso para “protegê-la”; faz “em seu nome”). Em breve, se o sujeito disser “graças a Deus” ou “se Deus quiser”, será multado. Perderá pontos na carteira quem tiver o crucifixo perdurado de forma ostensiva no seu carro. E se escrever, no vidro traseiro do velho Chevette “a inveja é uma merda” e “só Jesus Cristo Salva” ou, ainda, “Dirigido por mim, guiado por Deus”, o carro será apreendido pela guarda municipal. Estou pensando seriamente em estocar alimentos. O caos é iminente.
 
A judicialização do nosso cotidiano ainda vai acabar com a gente. Por isso, estamos criando cidadãos de segunda categoria. Já ninguém reivindica. Terceirizamos. Hoje não conseguimos reunir mais do que 30 pessoas para um protesto. Prá quê? Ingressemos em juízo, pois. Tudo se judicializa. Claro. É mais fácil. Mais rápido. Além disso, temos que arrumar “serviço” para toda a comunidade jurídica... (e, com isso, fomentamos a indústria dos cursinhos e dos concursos públicos). Com tantas carreiras jurídicas, com tudo isso, temos que nos ocupar, não é verdade? E, assim, tudo fica no seu lugar, graças a Deus (ups, fui multado!).


[1] Agradeço a Antonio Garcia Amado os comentários e discussões acerca desse exemplo do Direito espanhol.
 
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito.
 
Fonte: Consultor Jurídico, 22 de novembro de 2012 (www.conjur.com.br)
Imagem: Internet em: http://sketchup.google.com

Turma reconhece vínculo de emprego entre pastor e igreja


Magistrada determinou o retorno do processo à Vara de origem, para análise e julgamento dos demais pedidos.

A 1ª Turma do TRT-MG modificou decisão de 1º Grau e reconheceu o vínculo de emprego entre um pastor e a Igreja Evangélica Assembleia de Deus Ministério, para a qual ele prestava serviços. É que os julgadores constataram que, além da dedicação por convicção religiosa e motivação espiritual, o autor exercia as suas funções de forma pessoal, onerosa, habitual e subordinada, submetendo-se, inclusive, à exigência de produção. Ficou claro, então, para os julgadores que as atividades realizadas por ele não se limitavam à pura e simples evangelização de fiéis, revertendo-se, mesmo, em benefício da pessoa jurídica da igreja.

O autor alegou ter sido contratado pela reclamada em 10.02.11, para exercer a função de pastor, com cumprimento de jornada, mediante o recebimento de remuneração de R$800,00, mensais. Por isso, pediu o reconhecimento da relação de emprego. A igreja ré sustentou em sua defesa que o reclamante jamais foi admitido e, sim, aceito para exercer o ministério de pastor evangélico. Nessa função, o autor somente prestava orientações aos fiéis, durante os cultos, sem qualquer horário de trabalho. O pastor não recebia salário, mas apenas ajuda de custo. Por fim, a reclamada argumentou que a pessoa que se coloca a serviço da causa de Deus não pode enriquecer por esse motivo.

Mas a juíza Érica Aparecida Pires Bessa, relatora do processo, verificou que a realidade era outra. Conforme esclareceu a magistrada, as provas existentes no processo levam à conclusão de que a atuação do reclamante não se dava de forma espontânea e voluntária, por devoção religiosa. O autor, como pastor, não prestava serviços unicamente em proveito da comunidade religiosa, mas, sim, em benéfico da empresa, formada pela igreja. Não há dúvida de que ele empregava seus dons sacerdotais para evangelizar os fiéis, mas com caráter oneroso, recebendo valores para exercer essas funções.

"De tudo, o que se pode concluir é que a submissão do autor às determinações da Igreja não decorria pura e simplesmente de sua fé, mas sim em razão da subordinação jurídica existente no liame contratual", ponderou a relatora. Ao assumir a função de pastor, o reclamante ficou responsável por respeitar e propagar a doutrina da igreja. No entanto, isso não significa que não existisse subordinação, porque, além de pregar a fé, o autor tinha que cumprir e observar as ordens originadas da reclamada. Para a relatora convocada, todos os requisitos da relação de emprego estão presentes no caso, já que a igreja não conseguiu comprovar que a relação que existiu entre as partes era apenas religiosa.

Com esses fundamentos, a magistrada reconheceu a relação de emprego entre o pastor e a igreja e determinou o retorno do processo à Vara de origem, para análise e julgamento dos demais pedidos, no que foi acompanhada pela Turma julgadora.
Processo nº 0000210-94.2012.5.03.0075 RO
 
Fonte: Jornal Jurid
 
OBSERVAÇÃO: O autor do blog GRIFOU as partes que julgou importantes para caracterizar a decisão de "vínculo de emprego", contudo registra que a relação pastoral - na sua forma usual - não é caracterizada como vínculo de emprego, conforme a ementa a seguir transcrita:
 
"RECURSO ORDINÁRIO. INSTITUIÇÃO RELIGIOSA. PASTOR EVANGÉLICO. VÍNCULO DE EMPREGO. NÃO CONFIGURAÇÃO. O exercício da atividade de Pastor, assim considerado como aquele que, por vocação e pela fé, difunde os ensinamentos religiosos, pregando e auxiliando os fiéis, não é considerado empregado de que trata a norma consolidada. Jurisprudencialmente, também se tem entendido que as atividades desenvolvidas por padres, pastores e afins, não constituem vínculo de emprego com as respectivas instituições religiosas, tendo em vista a própria natureza comunitária e acentuadamente voluntária da atividade sacerdotal." (TRT 1ª Região - PROCESSO: 0143800-88.2008.5.01.0055 - RO - Rel. Des. Alberto Fortes Gil - 23/08/2011)




 

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Procuradoria pede retirada do termo 'Deus seja louvado' das cédulas de real


De acordo com a Procuradoria, a existência da frase nas notas fere os princípios de laicidade do Estado e de liberdade religiosa

Fonte | Folha de São Paulo (Em: Jornal JURID)
 
O Ministério Público Federal entrou com uma ação civil pública nesta segunda-feira (12) em que pede que as novas cédulas de real passem a ser impressas sem a expressão "Deus seja louvado".

O pedido, feito pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, diz que a existência da frase nas notas fere os princípios de laicidade do Estado e de liberdade religiosa.

"A manutenção da expressão 'Deus seja louvado' [...] configura uma predileção pelas religiões adoradoras de Deus como divindade suprema, fato que, sem dúvida, impede a coexistência em condições igualitárias de todas as religiões cultuadas em solo brasileiro", afirma trecho da ação, assinada pelo procurador Jefferson Aparecido Dias.

"Imaginemos a cédula de real com as seguintes expressões: 'Alá seja louvado', 'Buda seja louvado', 'Salve Oxossi', 'Salve Lord Ganesha', 'Deus não existe'. Com certeza haveria agitação na sociedade brasileira em razão do constrangimento sofrido pelos cidadãos crentes em Deus", segue o texto.

O Banco Central, consultado pela Procuradoria, emitiu um parecer jurídico em que diz que, como na cédula não há referência a uma "religião específica", é "perfeitamente lícito" que a nota mantenha a expressão.

"O Estado, por não ser ateu, anticlerical ou antirreligioso, pode legitimamente fazer referência à existência de uma entidade superior, de uma divindade, desde que, assim agindo, não faça alusão a uma específica doutrina religiosa", diz o parecer do BC.

O texto do BC cita ainda posicionamento do especialista Ives Gandra Martins, em que afirma que a "Constituição foi promulgada, como consta do seu preâmbulo, 'sob a proteção de Deus', o que significa que o Estado que se organiza e estrutura mediante sua lei maior reconhece um fundamento metafísico anterior e superior ao direito positivo".

Segundo o texto do BC, a expressão apareceu pela primeira vez na moeda nacional em 1986, nas cédulas de cruzados, por orientação do então presidente, José Sarney, e foi mantida nas notas de real por determinação de Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda.

O responsável pelas características das cédulas é o Conselho Monetário Nacional, que tem entre seus membros o presidente do BC.

A Procuradoria pede que a União comece a imprimir as cédulas sem a frase em até 120 dias. Pede ainda que haja uma multa simbólica de R$ 1 por dia de descumprimento.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

TJSP nega indenização de fiel contra congregação cristã


 
A 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão da Comarca de Iguape e negou pedido de um homem que pretendia receber indenização por danos morais da Congregação Cristã no Brasil, pois teria sido impedido de confessar sua fé pública e verbalmente.
O autor alegava que o líder da organização religiosa vetou sua participação como integrante da orquestra de músicos e o proibiu de dar qualquer tipo de testemunho em voz alta perante os demais integrantes da igreja, tais como agradecer a Deus por alguma graça alcançada ou orar em voz alta. Sustentava que as restrições violariam os princípios constitucionais da liberdade de culto, de expressão e de crença.
A Congregação Cristã afirmou que não praticou nenhum ato ilícito, apenas seguiu sua doutrina e dogmas, pois o homem não entregou documento necessário para se integrar à comunidade -- carta de apresentação do núcleo religioso que frequentava anteriormente, que indicaria que é batizado, entre outras questões.
De acordo com o voto do relator do recurso, desembargador Edson Luiz de Queiroz, “a questão do processo não envolve liberdade religiosa, mas, respeito às normas internas da congregação a que o autor aderiu voluntariamente”. Para o magistrado não há prova de ocorrência de fatos que pudessem caracterizar prejuízo moral.
O julgamento do recurso teve votação unânime e também contou com a participação dos desembargadores Erickson Gavazza Marques e José Luiz Mônaco da Silva.
Apelação nº 0000054-30.2011.8.26.0244

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo
Em: Revista Jus Vigilantibus, Segunda-feira, 29 de outubro de 2012

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

OFÍCIO DE PRESBÍTERO (IP Jandira/SP)

Aconteceu no dia 19 de agosto de 2012, na Igreja Presbiteriana de Jandira/SP:
Palestra na EBD sobre o "Ofício de Presbítero"
RESUMO:



 
 
 
 
 
 

Kassab paga pelo apoio de Valdemiro Santiago à Serra


Poucos dias após declarar o seu apoio à Serra, Valdemiro Santiago se beneficia de anistia dada a um templo da Mundial construído sem alvará e que, pasmem, ainda ocupa 137 metros de uma rua pública!
REDAÇÃO GENIZAH
O prefeito durão (risos!) que multa até quando um letreiro comercial sobra um único centímetro além do previsto, fiscaliza os menores detalhes das obras dos cidadãos atolados no IPTU escorchante da capital paulista e, tão implacável alcaide, impede até mesmo que mendigos recebam cobertores e sopa de populares, tudo em prol da ordem pública, quando se trata de acerto político faz o imponderável.

A Câmara Municipal de São Paulo aprovou na última quarta-feira (29) a anistia em decisão com a regência reluzente e inconteste de Gilberto Kassab.

A cria mais ilustre e principal apoiador da campanha de José Serra garantiu que do total de 55 vereadores, 31 dessem apoio à anistia. Um vereador votou contra e os dez do PT deixaram o plenário, facilitando a aprovação da primeira votação. A segunda votação ocorrerá em alguns dias.

O mais estranho (e porco) neste acordo são os inúmeros enfrentamentos entre Kassab e Valdemiro nos últimos anos. A Mundial teve a sua sede fechada por Kassab e, na ocasião, Valdemiro chamou o prefeito de filho do diabo e convocou revolta popular! Fez piquete na porta do templo e pediu dinheiro ao povo.... Depois teve outros problemas com a cidade Mundial e... novos protestos...

Agora, acordo eleitoreiro feito e preço pago, Kassab é santo e Serra é o novo messias e todos dormem tranqüilos com suas cabeças reclinadas na nova fronha dos milagres MUNDIAL... Ops! Todos não. Tem um que morde a fronha ungida.

A anistia é um tapa na cara do paulistano que respeita a lei e passa por cima até do Ministério Público Estadual, que havia pedido a demolição do templo irregular.


Este é o jeitinho evangélico - pior do que jeitinho brasileiro, pois coloca "deus" e a hipocrisia na equação.

Fonte: GENIZAH, em: http://www.genizahvirtual.com

Igreja Universal é condenada por agredir fiel em sessão de exorcismo


 
A 2ª câmara de Direito Privado do TJ/SP manteve decisão que condenou a Igreja Universal a indenizar em R$ 10 mil, por danos morais, uma fiel que teria sofrido um ataque epilético no interior do templo religioso, quando foi agredida fisicamente por representantes da igreja, sob a alegação de que se encontrava "possuída pelo demônio".

De acordo com o desembargador Luís Francisco Aguilar Cortez, relator do processo, "ainda que comprovado que o ataque partiu de ato voluntário de empregados ou terceiros, a requerida responde pelos danos causados, independentemente de culpa, observados os termos do CDC, aplicável à época dos fatos, considerando que, como visto, é incontroversa a presença do autor no culto religioso".
     

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Igreja Universal cria app no Facebook para doação de dízimo


 
A Igreja Universal do Reino de Deus acaba de criar um aplicativo que promete facilitar a doação do dízimo. Agora, os fiéis podem doar quantias diretamente do Facebook, o que, segundo a instituição, é uma ação exclusiva da igreja.
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Para doar, o fiel deve acessar a página da igreja na rede social e seguir três passos. O primeiro deles é a escolha da forma de pagamento, que pode ser feita via cartões de crédito e boleto bancário. Em seguida, o usuário deve decidir o destino de sua doação entre as seguintes opções: “dízimo”, “oferta para a construção do Templo”, “oferta para evangelização em rádio e televisão”, “auxiliares do Bispo Macedo” e “voto com Deus”. Por último, o internauta escolhe o valor que deseja doar, sendo o mínimo de R$ 20,00 e sem valor máximo estipulado. De acordo com a Universal, o método é seguro.
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A igreja do Bispo Edir Macedo também anunciou que reformulou o seu site de doações permitindo que qualquer pessoa utilize o sistema. Além disso, a instituição afirmou que irá implementar no futuro outras formas de pagamento para o aplicativo, como o débito em conta.
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As informações são da própria Universal.
Fonte: Adnews

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Igreja é condenada por desabamento


O dono do edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta.A Igreja Cristã Apostólica Renascer em Cristo continua condenada a pagar R$ 51 mil de indenização por danos morais a um homem que se feriu, em janeiro de 2009, por causa do desabamento do teto da sede da instituição, no bairro do Cambuci, em São Paulo (SP). O acidente causou a morte de 9 pessoas e deixou mais de 100, feridas. O autor teve um corte na cabeça e fraturou o fêmur. A medida foi mantida pela 5ª Câmara de Direito Privado do TJSP, a partir de acórdão da 37ª Vara Cível da Comarca da Capital.

Em recurso de apelação, a ré, entre outras alegações, isentou-se da culpa pelo acidente, e afirmou que a responsabilidade é exclusiva dos engenheiros e das empresas contratadas para executar a obra de reforma do edifício, entre 1999 e 2000.

O relator do recurso, desembargador João Francisco Moreira Viegas, afirmou, em seu voto, que a organização foi pouco diligente quanto à conservação do imóvel, pois se passaram mais de 10 anos entre a constatação de problemas na estrutura do prédio, em 1998, e a data da tragédia sem que todos os problemas do local fossem sanados. "No caso, conforme dispõe o art. 937 do CC: ‘O dono do edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta’. Portanto, e por ser a apelante proprietária da sede da igreja, é responsável pelos danos que lá ocorrerem sem a necessidade de se analisar a culpa, já que se trata de responsabilidade objetiva."

Segundo Viegas, o valor da condenação, fixado pela 1ª instância, mostrou-se adequado. "A indenização fixada em R$ 51 mil mostra-se mais do que suficiente para compensar o autor pelo trauma do próprio soterramento, além dos danos físicos causados. A dor sofrida não pode, até mesmo em face do elevadíssimo significado do bem humano atingido, ser causa de enriquecimento, tampouco pode ser minorada a ponto de se tornar irrisória e de nenhuma importância para as partes", declarou.

A decisão foi tomada por unanimidade. Compuseram a Turma julgadora também os desembargadores James Siano, Edson Luiz de Queiróz e Erickson Gavazza Marques.

Apelação nº: 0191228-46.2009.8.26.0100

Fonte: TJSP

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Igrejas não devem pagar ICMS sobre água e luz


Por Carlos André Magalhães

O economista e sociólogo Max Weber elaborou ensaios notáveis sobre a atuação dos grupos religiosos enquanto fenômeno coletivo e seu impacto na vida social, sistematizando o estudo da chamada "sociologia da religião".

Do ponto de vista da transcendência humana, a fé tem em si valor próprio e inconfundível. A fé é aquilo em que se acredita. Impalpável, mas absolutamente real. Daí a proteção que a Constituição da República confere à liberdade de crença e culto, bem como o estímulo à livre associação, inclusive para fins religiosos.

Como cristão, não tenho dúvidas quanto ao papel extremamente benéfico que a Igreja exerce tanto coletiva quanto individualmente. Não por acaso a Igreja aparece nas pesquisas de opinião como a instituição em que a população mais confia. Paz, respeito ao próximo, perdão, combate à pobreza, ética, justiça social e confiança na imortalidade da alma por meio da fé compõem a pauta de princípios da cristandade.

Merece elogios, portanto, a Lei paranaense 14.586/04, que dispensa as igrejas do custeio do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços no fornecimento de água, esgotamento sanitário e energia elétrica para os templos. Contestado, o Supremo Tribunal Federal considerou válida a lei.

Fica assim sugestão ao governador do estado e à Assembleia Legislativa de Pernambuco para que adotem medida semelhante, de impacto financeiro diminuto para o erário e de significativa relevância para o nosso povo.

Carlos André Magalhães é advogado.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 10 de julho de 2012

domingo, 13 de maio de 2012

Pastor que chamou vizinha do templo de ‘filha do diabo’ pagará indenização



A 5ª Câmara de Direito Civil do TJ de Santa Catarina confirmou decisão da comarca de Palhoça, que condenou um pastor de igreja pentecostal daquele município ao pagamento de indenização por danos morais a uma vizinha do templo, a quem proferiu ofensas em noite de culto. “A senhora é filha do diabo e tem que se tratar com Deus”, afirmou o pastor em relação à vizinha, que conversava no portão de sua casa com a filha e o namorado desta.


A sentença de 1º grau arbitrou a indenização em R$ 1,5 mil. Em apelação ao TJ, o pastor alegou “legítima defesa da igreja e da própria fé que professa” para justificar os impropérios. Disse que a moça costumeiramente debochava dos frequentadores da igreja e que sua atitude foi, em verdade, de defesa contra tais ataques. Nos autos, entretanto, nenhuma testemunha confirmou esse comportamento da vizinha da igreja.

“Tem-se que o réu (…), por ação voluntária, violou o direito de crença da autora, causando-lhe ofensa, por discriminação e por falta de solidariedade e fraternidade ao seu patrimônio ético. Por isso, tem o dever de indenizar a autora”, definiu o desembargador Monteiro Rocha, relator da matéria. A decisão, que manteve integralmente a sentença, foi unânime (Ap. Cív. n. 2009.043906-4).

Fonte: TJSC

Apelação Cível n. 2009.043906-4, de Palhoça
Relator: Des. Monteiro Rocha
DIREITO CIVIL - OBRIGAÇÕES – RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL - OFENSA À HONRA DA AUTORA - MALEDICÊNCIAS, POR PASTOR DE ASSEMBLEIA DE DEUS, EM FRENTE A CULTO - ACTIO DIRECIONADA CONTRA PASTOR - ILEGITIMIDADE DA ÚLTIMA RECONHECIDA EM SENTENÇA - PROCEDÊNCIA DA AÇÃO CONTRA PASTOR - INCONFORMISMO DO RÉU - OFENSAS IRROGADAS EM LEGÍTIMA DEFESA DA IGREJA E DA FÉ QUE PROFESSA - ALEGAÇÃO AFASTADA - AUSÊNCIA DE PROVA DO DANO MORAL - AFASTAMENTO - QUANTIA INDENIZATÓRIA EXACERBADA - INOCORRÊNCIA - PROVA CONTRÁRIA À ALEGAÇÃO DO PASTOR - DANOS MORAIS PRESUMIDOS - AFETAÇÃO DA HONRA SUBJETIVA - REPERCUSSÃO NA INTIMIDADE DA VÍTIMA - DEVER DE INDENIZAR PATENTEADO - QUANTUM REPARATÓRIO ÍNFIMO – FALTA DE RECURSO VOLUNTÁRIO - RECURSO IMPROVIDO - CERTIDÃO DE URH'S EM FAVOR DA ADVOGADA DA AUTORA - REQUERENTE VENCEDORA - HONORÁRIOS ESTATAIS INDEVIDOS - SENTENÇA REFORMADA, EM PARTE, EX OFFICIO.
Inocorre excludente de legitima defesa quando comprovado que as ofensas proferidas por Pastor evangélico contra autora iniciaram sem que esta tenha dirigido qualquer palavra contra o ofensor, sua igreja ou sua crença.
Ofensa irrogada por Pastor, em afronta aos princípios constitucionais da solidariedade, da igualdade e da fraternidade, contra pessoa que professa outra religião, caracteriza ato ilícito contrário à liberdade de crença religiosa da vítima, sendo presumido o seu constrangimento moral.
Nega-se a pretensão de reduzir o valor indenizatório fixado modicamente, pela ausência de razoabilidade e proporcionalidade, obstando-se ainda a majoração por falta de recurso voluntário da interessada.
Indefere-se a remuneração estatal pelo ofício de defensoria pública - instituída em Santa Catarina através da Lei Complementar n. 155/97 - ao advogado constituído nos autos por procuração, mormente quando o mandante é vencedor na causa e o réu possui condições para arcar com os honorários fixados na sentença.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2009.043906-4, da comarca de Palhoça (1ª Vara Cível), em que é apelante A.S., sendo apelada Z.D.M.
A Quinta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso e, ex officio, indeferir a concessão de URH's em favor da advogada da autora. Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Desembargadores Henry Petry Junior e Jairo Fernandes Gonçalves.
Florianópolis, 22 de março de 2012.
Monteiro Rocha
PRESIDENTE E RELATOR
RELATÓRIO
Na comarca de Palhoça, Z.D.M., devidamente qualificada, ajuizou ação indenizatória contra Igreja Assembleia de Deus e A.S., também qualificados na inicial, alegando que, no dia 2 de março de 2006, conversava com sua filha e o namorado desta, em frente à sua residência na rua Altino Martins, 2ª Travessa quando o Sr. A.S., dirigente da igreja requerida que funciona em frente à casa da demandante, saiu da entidade religiosa gritando que "a Sr.ª Z. é filha do Diabo e que tem que se tratar com Deus" (fl. 02).
Sustenta que fiéis participantes do culto e transeuntes, inclusive conhecidos da autora, presenciaram os fatos, trazendo grande desconforto moral à autora, que ficou diversos dias chorando em casa, proibida de sair da residência em razão da vergonha que sentiu pelas maledicências praticadas pelo requerido A.S.
Argumenta que, em Delegacia de Polícia onde foi registrado boletim de ocorrência sobre os fatos, o requerido confirmou as palavras que havia dito dias antes, persistindo na conduta ilícita de denegrir a imagem e a dignidade da autora, pelo que requereu a condenação dos réus - a Igreja Assembleia de Deus e A.S. na condição de seu pastor - ao pagamento de indenização por danos morais não inferior a dez mil reais, mais custas processuais e honorários advocatícios.
Despachando a inicial, o magistrado a quo deferiu assistência judiciária gratuita à autora e determinou a citação dos réus.
Regularmente citados, os réus, em peça única, ofereceram contestação arguindo, em preliminar, a ilegitimidade passiva ad causam da Igreja Assembleia de Deus ao argumento de que o requerido A.S. não é empregado, preposto ou responsável pela congregação; estava do lado de fora da Igreja por ocasião dos fatos; não proferia palestra alguma, sendo praticante do credo religioso e frequentador dos cultos, porém sem possuir qualquer atribuição de pastorado dentro da igreja ré.
No mérito, alegam os réus a ausência de calúnia, difamação ou injúria na atitude do réu Almiton de Souza, que se limitou a repreender provocações da autora direcionadas aos freqüentadores da Igreja e que esta, em sua inicial, não comprovou a ocorrência de danos passíveis de indenização, pelo que requereram o reconhecimento da ilegitimidade passiva ad causam da igreja ré e a improcedência do pedido inicial.
Impugnação à contestatória às fls. 81/84. Em saneador (fl. 85), o magistrado postergou a apreciação da preliminar de ilegitimidade passiva ad causam para ocasião oportuna, designando audiência de conciliação, instrução e julgamento para a oitiva da prova oral e dos depoimentos das partes.
Frustrada a tentativa conciliadora, ouviram-se testemunhas às fls. 93/98 e, posteriormente, às fls. 100/104.
Alegações finais pela autora às fls. 107/109 e, pelos réus, às fls.112/117; aquela postulando a procedência da ação e esses sua improcedência, com o acolhimento da preliminar suscitada em contestação.
Sentenciando (fls. 118/132), o Magistrado a quo acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam em relação à ré Igreja Assembleia de Deus, condenando a autora ao pagamento de 15% das custas processuais e honorários advocatícios que arbitrou em duzentos reais, suspendendo a cobrança da verba aludida em face dos benefícios da assistência judiciária gratuita deferida em favor da autora.
Outrossim, julgou procedente o pedido exordial em relação ao réu A.S., condenando-o ao pagamento de danos morais no valor de hum mil e quinhentos reais, corrigidos a partir do julgamento e com incidência de juros moratórios a partir do ilícito, mais 85% de custas processuais e honorários advocatícios que fixou em 20% sobre o valor condenatório.
Irresignado, apenas o réu A.S. interpôs Recurso de Apelação (fls. 125/132), requerendo a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido exordial ou reduzir o valor indenizatório fixado.
Contrarrazões às fls. 138/140.
É o relatório.
VOTO
1 Admissibilidade do recurso
A certidão de fl. 125 revela a tempestividade do recurso e a procuração de fl. 39 a regularidade na representação processual do apelante, que por ter sido condenado pela sentença monocrática, possui os pressupostos subjetivos para recorrer.
2 Dever de indenizar
O art. 186 do Código Civil descreve o ato ilícito como "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".
O dever de indenizar em relações não contratuais, aplicável à responsabilidade civil decorrente de ofensas verbas, decorre do disposto no art. 927 do Código Civil, segundo o qual "aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".
Tratando sobre os pressupostos da responsabilidade civil, o desembargador e doutrinador paulista Carlos Roberto Gonçalves pontua os quatro elementos essenciais da responsabilidade civil extracontratual: "ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima" (GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 31).
Ato lesivo é toda ação ou omissão voluntária que viola direito ou causa prejuízo a outrem. Culpa, a seu turno, que em sentido amplo envolve o dolo, é a vulneração a um dever jurídico que possibilita a imputação do ilícito a alguém, em virtude da reprovação social daí decorrente. Dano é toda lesão a bens ou interesses juridicamente tutelados, sejam de ordem patrimonial, sejam de ordem puramente moral (AGOSTINHO ALVIM, Da Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências, Saraiva, 1972, p. 172). Nexo causal é um liame jurídico que se estabelece entre causa (fato lesivo) e conseqüência (dano), de uma tal maneira que se torne possível dizer que o dano decorreu daquela causa.
2.1 Tese sustentada pelo requerido - legítima defesa Sustenta o apelante que a autora não demonstrou nos autos o sofrimento moral capaz de gerar a indenização e, alegando que não constitui ilícito os atos praticados em legítima defesa, conforme assegura o disposto no art. 160, I, do Código Civil de 1916, assim justificou sua confessada atitude: "se a autora era contumaz em ficar rindo e debochando dos membros da igreja, esta foi justamente repelida por um membro zeloso que entendeu que aquela situação não poderia permanecer como estava entendendo que a exortação seria a melhor maneira de estancar a blasfêmia.
"E não foi justamente esta ação que JESUS fez quando expulsou os vendilhões do templo enquanto estes vilipendiavam um lugar que este acreditava que era santo-
"Então se o nosso senhor JESUS, filho de Deus que por seu zelo a sua igreja realizou esta atitude em que esperar de um simples pintor de paredes, mas que também zeloso pela casa de seu Pai-
"Assim, o apelante Réu não alegou qualquer fato ofensivo à reputação da Autora, mas apenas defendeu seu credo.
"Ora, as incursões sobre a alegação que o requerido A. a chamou de 'filha do diabo e que iria tratar com Deus' nada mais foi do que um desabafo as provocações que a autora já vinha fazendo contra a pessoa do Suplicado" (fl. 128 - razões recursais).
Registra-se, inicialmente, que em se tratando de ilícito praticado após a vigência do Código Civil de 2002, a excludente de ilicitude arguida - legítima defesa - está disciplinada no art. 188, I, com a ressalva do parágrafo único do mesmo dispositivo.
Tratando sobre o conceito de legítima defesa e sua natureza jurídica, a doutrina ensina o seguinte:
"Conceito. É a repulsa, proporcional à ofensa, no intuito de evitar que direito próprio ou de outrem seja violado. O sistema autoriza a defesa da pessoa, de terceiro e também dos bens de ambos, para evitar que ataque injusto cause dano à pessoa e/ou bens. (...).
"Natureza jurídica. É causa de exclusão da antijuridicidade do ato de defesa, tanto no direito civil como no penal" (NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 6ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008, p. 371, notas 3 e 4 ao art. 188, I).
Juridicamente, o apelante confessa a narrativa que deu origem ao pedido inicial, mas qualifica-a como atitude lícita porque praticada em legítima defesa de sua religião ou em resposta aos deboches praticados pela autora apelada.
Nem a tese de legítima defesa, nem os deboches mencionados foram provados no processo.
A prova testemunhal consistiu em três testemunhas compromissadas e duas descompromissadas por possuírem laços com a igreja requerida. Todas as testemunhas - compromissadas ou não - confirmam que no dia dos fatos narrados na inicial, o réu dirigiu-se à autora, repreendendo-a nos temos da inicial.
As testemunhas descompromissadas afirmam que a autora debochava dos freqüentadores da igreja ré, mas não especificam as datas em que tais deboches ocorreram ou em que consistiram. As testemunhas compromissadas, por sua vez, afastam essa versão, dizendo que a autora não realizava qualquer ataque ao requerido ou à igreja ré.
De qualquer sorte, em um dos depoimentos das testemunhas descompromissadas tem-se elemento suficiente para afastar a tese de legítima defesa porque O.S.A.afirmou que, no dia dos fatos, o requerido dirigiu-se à autora sem que esta tenha dito alguma coisa ao requerido.
Neste sentido:
O.S.A., arrolada pela Igreja - fl. 101: "(...) o requerido A. saiu do interior da Igreja e repreendeu a autora porque esta estava invadindo nossa privacidade (...) indagada se a autora disse algo para o requerido respondeu 'que eu tenha visto não".
Verifica-se, portanto, que as testemunhas que não depuseram mediante compromisso legal, não imputam à autora qualquer prática no dia dos fatos que justificasse a atitude do réu A.S., além de confirmarem a atitude do réu em dirigir palavras - ofensivas ou não - à autora.
Ausente prova de que a autora apelante estava violando (ou prestes a violar) direito do réu, de sua crença ou de sua Igreja, não há que se falar em repulsa proporcional para evitar a violação de direito.
Assim, a tese de legítima defesa própria e de terceiro está afastada.
2.2 Dano
Quanto à alegação de inocorrência de dano à vítima e objetivando aferir se a conduta do réu A.S. ofendeu a honra da autora, observa-se a prova testemunhal compromissada:
J.E.C.S.- fls. 94/95: "o requerido A. circula[va] ao redor da autora Z., tendo proferida[o] em diversas oportunidades a expressão 'sua filha do diabo', bem como 'você vai se ver com Deus' (...) que além da autora e réu, também visualizou encontra[r]-se na rua a filha daquela e o namorado da mesma; que havia outras pessoas no interior da igreja porque era dia de culto (...) que, ao [ser] indagada qual fora a postura da demandante quando o réu lhe dirigiu as palavras, dizendo que nada fizera e que a autora 'só chora'; que cinco vizinhos procuraram-na questionando se tinha ouvido a gritaria, aduzindo ter escutado; que tais vizinhos moram próximos a sua residência (...); que entre 15 dias 1 mês após o fato, acredita que o réu A. não mais estivesse realizando cultos naquela igreja (...); que disseram-lhe que o requerido era pastor e dirigente da igreja, embora nunca tenha conversado com o mesmo sobre isso; (...) indagada se a autora fez alguma crítica à igreja, respondeu que em determinada oportunidade perguntou-lhe 'como é que tu agüenta um barulho desses', tendo a autora lhe respondido 'eu até gosto de ouvir os hinos, porque é a palavra de Deus'; que desconhece qualquer ato que pudesse ter sido realizado pela autora em desabono à igreja, sendo esta razão pela qual não entende porque motivo ocorreu o incidente (...)".
E.D.S. - fl. 96: "vislumbrou o demandado proferir, aos gritos, palavras ofensivas à requerente dizendo que a mesma era 'filha do diabo' e que a mesma 'vai se entender com Deus'; vislumbrou que a autora ficou muito nervosa após o ocorrido, tendo as pessoas de ministrar 'água com açucar' objetivando acalmá-la".
M.F.R.V. - fls. 97/98: "ouviu serem proferidos diversos impropérios, dentre os quais salienta 'demônio', 'filha do demônio' e afirmando 'você vai ter um encontro com Deus'; que no dia seguinte sua vizinha Eli informou-lhe que a discussão envolvia a autora e o 'pastor da igreja', aduzindo que o mesmo sempre fazia culto ali; (...) indagada sobre quais foram as reações da autora quando lhe contou sobre os fatos, respondeu que a mesma se encontrava 'muito nervosa' (...) que durante a discussão só ouvia 'uma pessoa gritar' (...) que nunca ouviu nenhuma crítica que a autora pudesse ter feito à igreja; que ouvia exclusivamente a voz do requerido A. realizando culto".
A versão apresentada na inicial - além de confessada pelo requerido A.S. - foi comprovada no processo por referidas testemunhas, as quais, inclusive, confirmam a inocorrência da legítima defesa.
Aliás, a prova testemunhal demonstra que o réu A.S. atuava, por ocasião dos fatos, como Pastor do culto que se realizava no templo da Igreja ré.1
1 - Neste contexto, equivocado o entendimento da sentença monocrática segundo o qual "o réu A.S., apesar de frequentar e exercer algumas atividades na Igreja ré, não possui nenhum vínculo empregatício ou exerce qualquer função de direção ou comando. Desta forma, observo que no dia dos fatos o réu A. agiu em nome próprio e não em nome da Igreja Assembleia de Deus, posto que saiu das dependências destas e dirigiu-se à autora proferindo algumas palavras" (fl. 119). De qualquer sorte, mantém-se a sentença de extinção do feito em relação à ré Igreja Assembleia de Deus, até porque não houve recurso contra a mencionada extinção.
A ofensa à honra da autora está demonstrada porque A.S. dirigiu-lhe palavras atentatórias à sua dignidade e, principalmente, à sua crença religiosa, que difere da crença religiosa do réu, conforme narrativa testemunhal (a autora seria participante da Igreja Deus É Amor).
O comportamento do réu A.S. foi antijurídico porque ofende a liberdade de crença religiosa, garantida pela Constituição Federal inclusive àqueles que crença alguma desejam ter:
"Todos são iguais perante a lide, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
"VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias".
A República Federativa do Brasil - laica para muitos; ecumênica para alguns - foi constituída sob a proteção de Deus, conforme consta no preâmbulo da carta magna que, para autores como Georges Vedel, tem caráter cogente e índole obrigatória.
Apesar disso, a conduta do réu não deve ser apreciada sob os preceitos da religião que pratica ou daquela praticada pela autora.
A conduta do réu deve ser examinada de acordo com as normas elaboradas pelo homem com o intuito de organizar e proteger a vida em sociedade; sociedade esta, a propósito, que assegura a liberdade de consciência e de crença de seus concidadãos numa sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
A prova demonstrou que a autora respeitava a liberdade da Igreja ré e do apelante, inclusive apreciando os hinos dos cultos da primeira ré por serem a Palavra de Deus (segundo afirmado pela testemunha compromissada Josefina Eli, às fls. 94/95); o réu apelante, ao contrário, não agiu da mesma forma, injuriando a autora, também religiosa, ao qualificá-la como 'filha do diabo' e afirmar que a mesma deveria ' tratar-se com deus'.
O requerido, ao qualificar a requerente como 'filha do diabo', revelou, na condição de ser humano e mais especialmente na situação de pastor, ser fundamentalista, ou seja, que ele vive num mundo bipolarizado, maniqueísta e que tudo gira exclusivamente em princípios absolutos que se excluem entre o bem e o mal e deus e o diabo.
O julgamento realizado pelo réu apelante acerca da postura e crença religiosa da autora, sob o prisma religioso, não deve ser examinado neste processo.
Entretanto, do ponto de vista legal, a atitude consistiu em afronta à dignidade pessoal da autora Z. e de sua crença religiosa.
O Estado brasileiro admite todas as crenças religiosas e proíbe manifestações contrárias a essa liberdade. Neste sentido, o legislador infraconstitucional, para estabelecer a eficácia da garantia constitucional antes mencionada (art. 5º, VI, da CF/88), inseriu no art. 140 do Código Penal o seguinte parágrafo "se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa" (art. 140, §3º, do CPC, inserido pela Lei n. 9.459/97 e com redação alterada, posteriormente, pela Lei n. 10.741/2003).
A conduta do réu apelante, portanto, é contrária ao direito pátrio, caracterizando-se como conduta ilícita e, em consequência, gerando o dever de indenizar.
O ato ilícito por ele praticado, além de atingir a honra subjetiva da apelada (circunstância bastante para configurar o dever de indenizar), repercutiu na vizinhança, aumentando o sofrimento experimentado pela vítima.
Como o dano não teve repercussão patrimonial, exsurge do fato visualizado pelo juiz, que não há necessidade de a autora comprovar os sofrimentos 'psicológicos', como quer o réu apelante.
O constrangimento sofrido pela autora é presumido, na hipótese, por se tratar de constrangimento moral imposto discriminatoriamente aos seus valores éticos, morais e espirituais.
De qualquer forma, a prova testemunhal confirma o mal estar da vítima em decorrência do ilícito perpetrado pelo suposto pastor.
Assim, tem-se que o réu A.S., atuando como pastor da ré Igreja Evangélica Assembleia de Deus, por ação voluntária, violou o direito de crença da autora, causando-lhe ofensa, por discriminação e por falta de solidariedade e fraternidade ao seu patrimônio ético. Por isso, tem o dever de indenizar a autora. É que a discriminação experimentada pela autora foi decorrente das palavras injuriosas desferidas pelo réu A.S., Pastor da ré Igreja Evangélica Assembleia de Deus.
3. Quantum indenizatório
Está assentado em nosso direito que em sede de danos morais o magistrado deve fixá-los através dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, adotando valor que não sirva de lucro à vítima e que não desvalorize o patrimônio moral do ofendido.
A quantificação do dano moral deve atender à função reparatória, da qual se reveste a indenização.
Sobre o assunto, oportuno trazer à colação excerto doutrinário de Sergio Cavalieri Filho:
"Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e conseqüências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes" (in Programa de Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 116).
Pondera-se que a valoração do dano moral não se destina a quantificar materialmente a dor vivenciada pela vítima com o ilícito. O sofrimento por ela enfrentado possui caráter subjetivo, é imensurável, sendo impossível atribuir-lhe valor econômico compatível. Nenhum valor, por maior que seja, será capaz de apagar os transtornos morais ocasionados à pessoa lesada. Assim, o montante postulado não é indenizatório porque a vítima não retorna ao estado moral anterior ao que se encontrava antes do ilícito. O valor é meramente reparatório e objetiva abrandar os efeitos do abalo sofrido.
Como a fixação de indenizações em patamar elevado deve ser evitada, trago aos autos ensinamento doutrinário do jurista Calmon de Passos, inserto em artigo intitulado "O Imoral nas Indenizações por Dano Moral", entendendo que o prejuízo extrapatrimonial deve ser reparado através de fundamentos éticos e morais:
"Quando a moralidade é posta debaixo do tapete, esse lixo pode ser trazido para fora no momento em que bem nos convier. E justamente porque a moralidade se fez algo descartável e de menor importância no mundo de hoje, em que o relativismo, o pluralismo, o cinismo, o ceticismo, a permissividade e o imediatismo têm papel decisivo, o ressarcimento por danos morais teria que também se objetivar para justificar-se numa sociedade tão eticamente frágil e indiferente. O ético deixa de ser algo intersubjetivamente estruturado e institucionalizado, descaracterizando-se como reparação de natureza moral para se traduzir em ressarcimento material, vale dizer, o dano moral é significativo não para reparar a ofensa à honra e aos outros valores éticos, sim para acrescer alguns trocados ao patrimônio do felizardo que foi moralmente enxovalhado" (Revista Jus Navegandi, 2002, in www.jus.com.br).
No caso dos autos, entendo que a quantia de hum mil e quinhentos reais fixada na sentença, por ser de pequena monta, não corresponde proporcionalmente ao ato praticado pelo réu.
Todavia, a autora apelada não recorreu da sentença objetivando majorar o valor indenizatório, razão pela qual não há motivo que justifique sua alteração a maior ex officio, até porque a prova do processo indica que o réu é pessoa de poucas posses.
Mantém-se a sentença no que tange à correção monocrática a partir da sentença (Súmula 362 do STJ), aos juros de mora a contar do evento danoso (art. 398 do CC e Súmula 54 do STJ), bem como ao valor dos honorários advocatícios arbitrados em favor da advogada da apelada, uma vez que não houve recurso para alterar o percentual.
Por fim, pequena correção deve ser feita ex officio na sentença monocrática para afastar a remuneração estatal à procuradora que subscreveu a petição inicial, em face do disposto no art. 17, I (ser o beneficiário vencedor na ação) e II (apresentar-se o beneficiário com advogado constituído) da Lei Complementar n. 155/97.
Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso do réu e, ex officio, indefere-se a concessão de URH's em favor da advogada da autora.

É o voto.