quarta-feira, 27 de março de 2013

CCJ aprova autorização para entidades religiosas questionarem leis no STF



Entidades de âmbito nacional foram colocadas entre aquelas que podem propor ação direta de inconstitucionalidade.

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 99/11, do deputado João Campos (PSDB-GO), que inclui as entidades religiosas de âmbito nacional entre aquelas que podem propor ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal (STF). Entre estas entidades estão, por exemplo, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil e a Convenção Batista Nacional.

A proposta será analisada por uma comissão especial e, em seguida, votada em dois turnos pelo Plenário.

Autores

Hoje, só podem propor esse tipo de ação:

- o presidente da República;
- a Mesa do Senado Federal;
- a Mesa da Câmara dos Deputados;
- a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
- governador de Estado ou do Distrito Federal;
- o procurador-geral da República;
- o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
- partido político com representação no Congresso Nacional; e
- confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

João Campos afirmou que a medida é uma “ampliação da cidadania e do acesso à Justiça”“Alguns temas dizem respeito diretamente às entidades religiosas. A questão da imunidade tributária, por exemplo, assim como a liberdade religiosa e o ensino religioso facultativo, entre outros. Se tivermos em algum momento alguma lei que fere um desses princípios não teríamos como questionar isso no Supremo. Com a proposta, estamos corrigindo uma grave omissão em que o constituinte incorreu ao deixar essa lacuna”, argumentou o autor da PEC 99/11.

Fonte: Jornal Jurid

domingo, 17 de março de 2013

UMA ABOMINAÇÃO CHAMADA BIBLIA FREE STYLE




Por Frank Brito em http://resistireconstruir.wordpress.com 
“Como, pois dizeis: Nós somos sábios, e a Lei do Senhor está conosco? Mas eis que a falsa pena dos escribas a converteu em mentira”. (Jeremias 8.8)
Há pouco mais de uma semana vi algumas pessoas na internet comentando sobre a tal de Bíblia Free Style e postando versos que seriam dessa Bíblia. Inicialmente, eu não sabia do que se tratava. Achei que a tal Bíblia não existia de fato, mas que estavam simplesmente usando de ironia ou sarcasmo para falar de traduções bíblicas mal feitas. Não prestei muito atenção no que estava sendo dito sobre a tal Bíblia Free-Style. Depois de ver outras pessoas postando sobre o assunto em diversos lugares, decidi pesquisar sobre. Infelizmente, o que encontrei não foi uma brincadeira para criticar traduções mal feitas. Antes fosse. O que encontrei, na verdade, foi mais um bobo da corte que, em nome de um desejo insaciável de aparecer e ser popular, disputa com outros bobos metidos a “cristãos radicais” para ver quem vai aparecer mais. Há não muito tempo, fomos obrigados testemunhar o caso do “pastor” Lucinho com sua foto fazendo pose de drogado, cheirando uma Bíblia como se fosse cocaína. Agora, fomos obrigados a testemunhar as obras de mais um “cristão radical” com um linguajar de adolescente mimado. A Bíblia Free Style começa com o Evangelho de Mateus:
“Livro da geração de Jesus, o cara. Da descendência de Davi e também de Abraão. Depois de Abraão, muito sexo foi feito e muitas crianças nasceram por conta disso. Essas crianças cresceram, tornaram-se adultos e também fizeram mais sexo ainda. Até que quarenta e uma gerações se passaram e nasceu um cara muito jóia chamado José.
Esse tal de José era especial por que quando a dona Maria (sua noiva) apareceu dizendo que tava grávida do Espírito Santo, ele obviamente sentiu que isso cheirava a chifre. Mas sendo um cara legal pra caramba, resolveu terminar o noivado discretamente. Mas naquela noite um anjo apareceu no meio de um sonho e de maneira bem convincente o persuadiu a aceitar a missão de ser pai do filho de Deus, que se chamaria Jesus. Eita homem santo esse tal de José!
O moleque que se chamaria Jesus, além de nascer de uma virgem (pra não desmentir a profecia), também viria pra salvar o povo das cagadas deles.
José, cabra macho e obediente, não transou com a dona Maria até que nascesse o menino que o ultrassom celestial havia prometido”.(Mateus 1, Biblia Free Style)
Eu já conheci muita gente parecida com o Ariovaldo Jr., autor da Bíblia Free Style. São adultos que nunca conseguem superar atitudes típicas de crianças ou adolescentes problemáticas como, por exemplo, a constante necessidade de falar com muitas gírias e palavrões para se autoafirmar, mostrar o quanto são “descoladas” e saciar a necessidade de muita atenção. Quando adentram no mundo cristão, são pessoas que, quando não são restauradas por Deus, simplesmente colocam uma roupagem cristã nestes mesmos desejos de antes. A raiz do problema por trás da Bíblia Free Style não é o próprio Ariovaldo Jr. Ele é só mais uma gota do grande oceano de clichês repetitivos dos “radicais”.
Palavras Torpes
A verdadeira Palavra de Deus, não essa bobagem chamada Bíblia Free Style, diz:
Nenhuma palavra torpe saia da boca de vocês, mas apenas a que for útil para edificar os outros, conforme a necessidade, para que conceda graça aos que a ouvem”. (Efésios 4.29)
Não haja obscenidade nem conversas tolas nem gracejos imorais, que são inconvenientes, mas, ao invés disso, ação de graças”. (Efésios 5.4)
Mas agora, abandonem todas estas coisas: ira, indignação, maldade, maledicência e linguagem indecente no falar”. (Colossenses 3.8)
Exorta os velhos a que sejam temperantes, sérios, sóbrios, sãos na fé, no amor, e na constância; as mulheres idosas, semelhantemente, que sejam reverentes no seu viver, não caluniadoras, não dadas a muito vinho, mestras do bem, para que ensinem as mulheres novas a amarem aos seus maridos e filhos, a serem moderadas, castas, operosas donas de casa, bondosas, submissas a seus maridos, para que a palavra de Deus não seja blasfemada. Exorta semelhantemente os moços a que sejam moderados. Em tudo te dá por exemplo de boas obras; na doutrina mostra integridade, sobriedade,linguagem sã e irrepreensível, para que o adversário se confunda, não tendo nenhum mal que dizer de nós”. (Tito 2.2-8)
Segundo o Apóstolo Paulo, a características de homens e mulheres santos e maduros é, entre outras coisas, serem sérios, sóbrios, moderados, castos e terem uma “linguagem sã e irrepreensível”. A Bíblia Free Style é contrária a tudo isso. Ariovaldo Jr., como um típico adolescente mimado, não se conforma em ser boca suja sozinho. Ele tem a ousadia de colocar palavrões, não só nas palavras da Bíblia, mas até mesmo na boca do próprio SENHOR:
Pois o Reino de Deus é desse naipe! Vai ter gente safada, ladrões, cobradores de impostos, putas e traficantes que vão entrar no céu na frente de vocês. Por que meu primo João veio falar pra vocês um monte de coisa legal e vocês nem deram bola. Mas essa galera toda acreditou nele. E nem vendo essa galera nadando de braçada nas coisas de Deus, vocês se arrependem!” (Mateus 21 na Bíblia Free Style)
“Pedro continuava sentado do lado de fora, mocado no meio dos peões. Até que chegou uma empregada doméstica e disse: “Ei… você tava andando com Jesus também, né?”. E Pedro mentiu dizendo que não sabia nem do que ela tava falando. Alguns minutos depois, outra empregada doméstica o viu e disse a mesma coisa. E ele repetiu a história de que nem conhecia Jesus. Por fim, a galera toda começou a desconfiar e disseram: “Ahhh maluco! Teu jeito de falar dá a entender que você é um deles sim!”. E pra escapar de ser pego, Pedro começou a xingar e a jurar: “Puta que o pariu, viu! Quantas vezes vou ter que falar que eu juro que não conheço esse homem?”. E naquela hora o celular tocou o despertador (tá, eu sei que não foi o celular, foi o galo). E Pedro lembrou do que Jesus havia dito sobre ele o negar. Por fim acabou saindo dali completamente arrasado com a cagada que havia feito”. (Mateus 26 na Bíblia Free Style)
No domingo pela manhã Maria (mãe do Tiago), Salomé e Maria Madalena compraram uns perfumes pra ir lá desodorizar Jesus. E chegaram no túmulo bem cedo, assim que o sol nasceu. Só não faziam ideia de como iriam tirar a pedra que tampava a entrada, por que era pesada pra caramba.
Quando chegaram lá viram que a tampa já tinha sido retirada. Olhando dentro do túmulo levaram um puta susto, porque tinha um cara vestido todo do branco sentado lá. E ele disse: “Tão procurando Jesus aqui? Chegaram atrasadas! Ele já está vivo novamente e vazou! Mas aproveitem que vocês tão aqui e avisem os outros que Ele os espera lá na Galiléia, conforme havia combinado”. (Marcos 16 na Bíblia Free Style)
Ao ver esta cena, o religioso começou a falar baixinho: Se Jesus fosse mesmo tão foderoso quando dizem, saberia que essa vagabunda aí não vale nada”.(Lucas 7 na Bíblia Free Style)
Jesus respondeu: Vocês tão forçando a amizade pra ver se eu concordo com a putaria né? Pois o erro de vocês é não conhecer nem a Bíblia e nem o poder de Deus. Lá no céu ninguém é casado não, seus oreia! Lá é diferente, igual os anjos. Ou você tá achando que tem anjo com pininho e outros com furinho, igual LEGO?” (Marcos 12 na Bíblia Free Style)
Quem esse tolo Ariovaldo Jr. pensa que é para colocar esse tipo linguajar boca do Senhor dos Senhores? E como podem existir cristãos, até mesmo pastores, apoiando e defendendo algo tão estupido assim?
Religioso, Graças a Deus
Qualquer um que identifique a linguagem da Bíblia Free Style como espúria e estúpida será automaticamente classificado por Ariovaldo Jr. como um “religioso”. Sua hostilidade aos “religiosos” é visível na Bíblia Free Style. Todas as vezes que a Bíblia se refere aos “escribas” ou “fariseus”, a Bíblia Free Style substitui estas palavras por “religiosos”. Como, por exemplo,vemos em Mateus 15:
Então chegaram ao pé de Jesus uns escribas e fariseus de Jerusalém, dizendo: Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos anciãos? pois não lavam as mãos quando comem pão”. (Mateus 15.1-2)
Uns religiosos lá de Jerusalém chegam perto de Jesus e começaram a perturbar: Ô Jesus… por que vocês não lavam as mãos antes de comer, como ensina a nossa tradição?”. (Mateus 15, Bíblia Free Style)
Um dos maiores clichês do Cristianismo moderno é usar as palavras “religioso” e “religião” de forma negativa, para se referir a pessoas hipócritas. Qualquer um com um pouco de intimidade com história da Igreja sabe que, no decorrer dos séculos, as palavras “religião” e “religioso” sempre foram usadas de maneira positiva, como sinônimo de “cristão”, “espiritual”, “Cristianismo”, etc. É só nos últimos tempos que os cristãos começaram a dizer que “o Evangelho não é religião”. Alias, os kardecistas costumam dizer o mesmo. O fato é que por toda a história, os cristãos sempre se referiram ao Evangelho como a verdadeira religião. Mais importante do que isso, a própria Bíblia usa a palavra de maneira positiva e não negativa:
Se alguém entre vós cuida ser religioso, e não refreia a sua língua, antes engana o seu coração, a religião desse é vã. A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo”. (Tiago 1.26-27)
O objetivo central da carta de Tiago é criticar a hipocrisia. Ele critica aqueles que dizem ter fé, mas vive de maneira que contraria essa fé que diz ter (Tg 2.14). Esse é o contexto para entender o que Tiago disse sobre religião e religiosos. Tiago criticou aqueles que dizem ser religiosos, mas que não são de fatoO argumento de Tiago pressupõe que ser religioso é bom e é justamente por isso que ele critica quem diz se religioso, mas não vive como um verdadeiro religioso. A hipocrisia, para Tiago, não está em ser religioso, mas em se apresentar como religioso sem ser um religioso de verdade. Da mesma forma, a hipocrisia, para Tiago, não é em ter fé, mas em dizer que tem fé, sem que esta fé seja genuína. Tiago não criticou a verdadeira fé, nem os verdadeiros religiosos e nem a verdadeira religião. Ele criticou somente quem diz ter fé e ser religioso quando na verdade não é. “Religioso” na carta de Tiago é simplesmente sinônimo de “espiritual”, “cristão”, “discípulo de Cristo”, “regenerado”, “convertido”, etc. É como se ele dissesse:
“Se alguém entre vós cuida ser religioso [ou espiritual, cristão, convertido, etc.], e não refreia a sua língua, antes engana o seu coração, a religião [ou vida espiritual, conversão, vida cristã] desse é vã [não é verdadeira, é falsa]”.
Sendo assim, devemos ser religiosos, assim como devemos ser espirituais, cristãos e justos. Mas, nossa religião deve ser regulada pela Bíblia e não pela falsidade e mentira. Segundo Tiago, uma das características dessa falsa religião é a de alguém que alguém que “não refreia a sua língua”. Ariovaldo Jr., apesar de toda sua hostilidade aos “religiosos”, cai exatamente na condenação de Tiago contra os falsos religiosos. Apesar de toda sua hostilidade aos “religiosos”, a Bíblia Free Style está comprometida com a “corrupção do mundo”, outra característica que Tiago cita da falsa religião. Apesar de toda sua hostilidade aos escribas, Ariovaldo Jr. cai na condenação dos escribas corruptos do tempo de Jeremias: “Como, pois dizeis: Nós somos sábios, e a Lei do Senhor está conosco? Mas eis que a falsa pena dos escribas a converteu em mentira”. (Jr 8.8) Ariovaldo Jr., além de não refrear sua língua, ainda coloca suas palavras de baixo calão na boca do próprio Mestre. No Salmo 50, Deus questiona: “Você pensa que eu sou como você?” (Sl 50.21) Ariovaldo Jr. responde que sim, que ele pensa que o Senhor é boca suja como ele. Ele não “não refreia a sua língua” (Tg 1.26) o que, segundo Tiago, é a característica de falsos religiosos, exatamente aquilo que o Ariovaldo Jr. tanto critica. A crítica de Tiago é muito séria. Ser não levarmos isso a sério, deixamos de levar a Bíblia a sério, o que é exatamente o que a Biblia Free Style faz.
Pregando o Evangelho com Clareza
Guilherme Burjack da PUC-GO é cooperador do Ariovaldo Jr. na produção da Bíblia Free Style. Na página inicial da Bíblia, ele tenta defender o projeto dizendo:
“Este espanto com a Bíblia Freestyle revela o quanto a nossa relação com texto sagrado é totêmica. Não a lemos como deveríamos, e quando a lemos sua influência não é capaz de fazer frente ao secularismo que se tornou padrão em nossas relações… A Palavra de Deus precisa ser entendida. E há de fato, não digo eu, mas os dados sobre analfabetismo funcional, um mal silencioso que segrega milhares de pessoas”.
Segundo Guilherme Burjack, o propósito da Bíblia Free Style ter sido escrita da maneira que foi é para facilitar a compreensão. Ele cita especialmente o problema do analfabetismo funcional. Apesar de ser uma preocupação importante, eu me pergunto como o Guilhermino pode acreditar que a Bíblia Free Style seja a solução. De que maneira um texto bíblico cheio de gírias e palavrões poderá ajudar na leitura de alguém com dificuldades de entender o que lê? A Bíblia Free Style inclui, inclusive, diversas piadas que só podem ser entendidas por quem tem noções de inglês. Em Mateus 2, por exemplo, diz:
“Por isso pediram explicações mais detalhadas sobre onde e quando esse nascimento havia acontecido, com a intenção de cortar a sua cabeça e ficar governando sozinho (Who want’s to live foreverrrrrr???)”.
A linguagem da Bíblia Free Style não é para analfabetos funcionais e outras pessoas com grande dificuldade de leitura. É para adolescentes mimados ou adultos com cabeça de adolescente mimado (como o Ariovaldo Jr.) que de alguma maneira está inserido na cultura da classe média brasileira. A Bíblia, além de ser cheia de palavrões, é cheia de gírias que nenhum analfabeto funcional ou qualquer outro indivíduo com dificuldade de leitura poderá entender.
A Bíblia precisa ser entendida? Sem duvidas. Mas, para fazer com que ela seja entendida, o que temos que fazer não é corromper o texto sagrado. O que temos que fazer é colocar o mesmo texto sagrado na língua do povo e conseguir mestres genuínos para ensiná-las. A Bíblia Free Style não transmite o texto sagrado, mas é uma corrupção do texto sagrado. Ariovaldo Jr. não é um bom mestre, mas, segundo Tiago, sua religião se mostra vã. O verdadeiro objetivo da Bíblia Free Style não é transmitir a Bíblia com clareza, mas falsifica-la e corrompe-la segundo a falta de reverência e temor do autor.
“Porque nós não somos, como muitos, falsificadores da palavra de Deus, antes falamos de Cristo com sinceridade, como de Deus na presença de Deus”. (II Coríntios 2.17)
Reproduzido com autorização de FRANK BRITO

sábado, 16 de março de 2013

ESTADO NÃO PODE INQUIRIR A VERDADE DAS RELIGIÕES



Pode o Estado questionar a sinceridade, ou até mesmo, por assim dizer, o caráter absurdo de verdades e revelações religiosas?
É certo que, a partir de um olhar secular, não é difícil questionar a sinceridade de alguns credos religiosos, sobretudo, quando não se é religioso, ou quando professamos outra religião. Na verdade, não são poucos aqueles que não se dispensam de julgar as religiões dos outros. Mais do que isso, vez por outra, confronto-me, na condição de professor de Direito Constitucional, com alunos e até profissionais do Direito (advogados, juízes e promotores) que entendem seja absolutamente legítimo ao Estado, em determinadas situações, questionar o absurdo ou a sinceridade do conteúdo de determinadas crenças religiosas.
Naturalmente, ninguém se põe a possibilidade de questionar, em sua sinceridade, eventual “absurdidade” dos dogmas das chamadas grandes igrejas institucionalizadas. A possibilidade, como regra, é sugerida contra as pequenas igrejas, aquelas não reconhecidas institucionalmente. Há situações em que é quase impossível não sucumbir ao desejo de uma intervenção estatal. Mas isso seria correto?
No caso United States v. Ballard, a Suprema Corte norte-americana teve ocasião de confrontar instigante caso concreto, em que um dos líderes de um movimento designado “I am”, Donald Ballard, juntamente com outros de seus representantes, afirmando-se mensageiros de um tal Saint Germain(que supostamente teria sido Gary Ballard, pai de Donald, quando vivo) e, por isso, portadores depoderes sobrenaturais, inclusive o de curar doenças classificadas como incuráveis, remetiam correspondências com mensagens divinas e ensinamentos do movimento “I am” às pessoas mediante a contrapartida em forma de doações.
Foram, por isso mesmo, denunciados sob a acusação de estelionato, já que, segundo o Ministério Público, os réus sabiam perfeitamente da fraude contida nas mensagens por eles encaminhadas, sendo que as utilizavam, pura e simplesmente, com o objetivo de arrecadar dinheiro para a sua própria fortuna pessoal.
A Corte de primeira instância apenas submeteu ao júri a questão de saber se os próprios réus sabiam da falsidade de seus propósitos, enquanto a Corte de apelação reformou a decisão, entendendo, que era necessário submeter ao júri a questão da verdade do próprio conteúdo religioso do movimento “I am”.
Em síntese, no julgamento inicial, o júri foi orientado para não considerar (julgar) as crenças religiosas de Ballard, devendo determinar apenas se o réu acreditava que ele de fato detinha a habilidade de curar outras pessoas. Já a Corte de segundo grau conferiu o poder ao Júri (Estado) de julgar as próprias crenças da religião professada pelos acusados.
A Suprema Corte reverteu essa decisão para firmar a convicção de que o Estado e seus Tribunaisjamais poderiam investigar a verdade de uma determinada crença. Portanto, tudo o que importava aos jurados era saber se os acusados acreditavam de boa-fé naquilo que professavam. Com isso, a Suprema Corte impediu todos os júris e — por eles — o Estado de questionarem a própria sinceridade ou o caráter absurdo das crenças religiosas (em razão de questão procedimental, quando o caso voltou à Suprema Corte, ante o afastamento de uma mulher do Júri, o Tribunal anulou o próprio indiciamento dos acusados)[1].
Nada obstante, aceitando-se que Estado não possa sindicar o absurdo, ou não, de verdades religiosas, enquanto verdades teológicas institucionalizadas, parece-me ainda problemático que o Estado possa sindicar ou inquirir, como sugerido em United States v. Ballard, em algum momento, a sinceridade (individual) daqueles que as professam. Como afirmou Robert H. Jackson, em voto divergente, mesmo ali “teria vindo muito perto de ser uma investigação sobre a verdade de uma convicção religiosa”.
De fato, apesar da tentação de uma resposta (secular) positiva a possibilidade de, pelo menos, inquirir sobre a verdade individual de quem, por exemplo, alcança dinheiro com religião, o fato é que, na correta visão do justice Jackson, “processos dessa espécie poderiam facilmente degenerar para perseguições religiosas”.
Por mais que seja difícil, o Estado democrático e liberal tem que pressupor, como firmaram a Suprema Corte e a doutrina norte-americanas, a sinceridade de qualquer credo ou igreja[2]. E mais do que isso, tem que pressupor a sinceridade de seus crentes.
Desconsiderando a má impressão, o mau gosto, a sensação de absurdo que alguns dogmas de qualquer religião, ou credo, muitas vezes provocam nos não-crentes, o fato verdadeiro é que não tem o Estado alternativa, se não quiser promover ódio e intolerância, que não seja a de aceitá-los. Portanto, por mais absurda que nos seja uma manifestação religiosa — apocalíptica, transcendente, ou dogmática, e mesmo com caráter para muitos caricato de “uma luta eterna contra o mal ou contra os demônios”, consubstanciada, inclusive, na liturgia de muitas igrejas —, tudo isso ficaria excluído de qualquer manifestação interventiva do Estado.
De fato, por compor aquilo que os seus adeptos e teólogos denominariam, sem dificuldade, como o núcleo teológico essencial de sua manifestação religiosa, todos esses dogmas, protegidos pela liberdade religiosa e a neutralidade religiosa do Estado, por mais absurdos que pareçam aos não-crentes, tornam duvidosa a legitimidade de o Estado intervir, especialmente, com o recurso a uma pré-formativa (interna e imanente) (de)limitação do que considera como legítima e verdadeira manifestação da liberdade religiosa.
Qual a exceção a isso? Só a enxergo na eventual colisão — e desde que grave — da liberdade religiosa com outros direitos fundamentais. De fato, exceção à possibilidade de uma concreta manifestação de conduta, expressão ou liturgia de algum credo entrar em colisão, de forma grave e consistente, com algum outro bem constitucional, como seria a vida, a dignidade da pessoa humana, ou a liberdade religiosa de outras pessoas, o Estado não tem legitimidade para julgar — aprovando ou reprovando — conteúdo religioso de qualquer igreja ou credo. Não pode o Estado, a partir de critérios teológicos seus, reprovar a conduta, o conteúdo, as manifestações ou liturgias das diversas religiões.
Pior do que o Estado ter alguma religião seria um Estado que, do alto de alguma teologia, se pusesse a julgar a legitimidade das verdades religiosas.
Assim, a cláusula da neutralidade do Estado impede-o, ou a qualquer de seus órgãos, de investigar a verdade ou a falsidade, ou até mesmo a absurdidade do conteúdo de crenças e religiões — aliás, o que parece óbvio, pois, como se sabe, todas as Igrejas e crenças, das menores (marginais) e inorgânicas às institucionalizadas e oficialmente aceitas, baseiam-se em revelações e verdades que, já antecipadamente colocadas como dados da fé, e não da razão, não estão predispostas a submeter-se a qualquer teste de verificação científica [3].
De uma forma mais prática, aliás, parece difícil acreditar que, diante da liberdade religiosa, qualquer Estado democrático e constitucional, nos moldes ocidentais, irá, por exemplo, impor aos líderes de Igrejas institucionalizadas (católica, protestante, judaica, etc.) que comprovem a sua fé na crença que professam para só, então, terem legitimidade de solicitar contribuições de seus fiéis. Portanto, secomo regra tal questão não pode ser posta às igrejas reconhecidas como legítimas e institucionalizadas, parece duvidoso, do ponto de vista da liberdade religiosa e da igualdade de tratamento entre igrejas e credos, que se impõem ao Estado pela cláusula da neutralidade religiosa, que possa sê-lo em relação às igrejas e credos considerados marginais.
Deixo claro que, nem de longe, essas questões me parecem de todo resolvidas. Talvez sejam questões que permanecerão sempre sem solução definitiva. De fato, se o Estado não atuar para intervir pode ser acusado de contemplar a anarquia. Se intervir, corre o risco de comprometer a distância exigida pela sua condição de Estado laico e neutro.
Mas, como, certamente, intuirão todos, sequer há grande novidade nesse paradoxo. Em 1976, em seu livro Estado, Sociedade, Liberdade (Staat, Gesellsachaft, Freiheit, p. 60), Ernst-Wolfgang Böckenförde, professor da Universidade de Freiburg e ex-juiz do Tribunal Constitucional alemão, formulava assim o que ficou conhecido como o “Dilema de Böckenförde” (Böckenförde-Diktum): “O Estado liberal (democrático) e secular vive de pressupostos que ele mesmo não poder garantir”.
No dizer de Böckenförde, esse é o grande dilema que o Estado democrático e sua Constituição inevitavelmente teriam que enfrentar em nome da liberdade: de um lado, o Estado democrático de Direito só pode existir quando a liberdade religiosa que promove e garante tem existência a partir “de dentro”, isto é, a partir da ordem constitucional da própria comunidade nacional; de outro, se quiser garantir essa mesma liberdade das crenças religiosas, o Estado democrático não pode se valer dos meios de coerção ou de intervenção de autoridade sem correr o risco de abrir mão de sua “liberalidade” e da distância secular como Estado laico.
Por trás do dilema, a seguinte encruzilhada: ou o Estado democrático ignora completamente a religião e corre, com isso, o risco de perder, além do “controle” sobre o próprio exercício da liberdade religiosa, a força inegável de coesão social que revelam as religiões, ou passa a promover com algumas intervenções a garantia da liberdade religiosa, correndo o risco, contudo, de comprometer sua distância e laicidade.
Uma resposta fácil ao problema será sempre uma resposta de ingênuos. Aqui, mais uma vez a inteligência do sábio: “Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada.” 

[1] Em 322 U.S. 78 (1944), United States v. Ballard;  cfe. também J. Nowak/ R. Rotunda. Constitutional Law, 1510/13. Geoffrey R. Stone et alConstitutional Law, p. 1500; ver também Frazee v. Illinois Department of Employment Security, 489 U.S. 829 (1989).
[2] Em 322 U.S. 78 (1944), United States v. Ballard .
[3] Em 322 U.S. 78 (1944), United States v. Ballard

NÉVITON GUEDES é desembargador federal do TRF da 1ª Região e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 4 de fevereiro de 2013